Mestre Irineu: O Mensageiro da Rainha da Floresta

Quem foi Mestre Irineu?

Raimundo Irineu Serra, mais conhecido como Mestre Irineu, nasceu em 1892, na cidade de São Vicente Ferrer, no Maranhão, e migrou para o Acre na juventude, em busca de trabalho nos seringais amazônicos, atraído pelas promessas do ciclo da borracha. Foi nessa região — em contato com povos indígenas, caboclos e tradições espirituais locais — que ele teve a experiência visionária que daria origem ao Santo Daime.

Após sua morte, a doutrina do Santo Daime expandiu-se, dando origem a diferentes linhas e centros, como o CEFLURIS, fundado por Sebastião Mota de Melo.

Revelação e criação do Daime: A Rainha da Floresta

Durante um retiro na floresta, Irineu teve visões com uma entidade feminina que se apresentou como a Rainha da Floresta, identificada com Nossa Senhora da Conceição. Ela lhe revelou ensinamentos espirituais e o uso ritualístico de um chá sagrado feito da ayahuasca (mistura da folha da Chacrona e do cipó Jagube), já usado por diversos povos indígenas da região.

Inspirado por essa revelação, Mestre Irineu fundou, na década de 1930, uma doutrina que ele chamou de Santo Daime, unindo elementos cristãos, esotéricos, africanos e indígenas em uma prática ritualística baseada em músicas (hinos), dança, meditação, oração e ingestão do Daime.

Mestre Irineu como Ponte entre Saberes

🌿 Da floresta ao altar

A ayahuasca, usada há séculos por povos originários da Amazônia, era parte de um universo simbólico ligado ao xamanismo, ao contato com os espíritos da floresta, à cura e aos ciclos da natureza. Para alguém de origem cristã ou urbana, essa linguagem simbólica podia parecer incompreensível ou até assustadora.

Mestre Irineu, com sua formação cristã e sensibilidade espiritual, reconfigurou essa experiência para um formato devocional e moralizante, que pudesse ser integrado por pessoas que não tinham referência na cosmologia indígena. Ele fez isso:

Incorporando hinos com mensagens cristãs (Nossa Senhora, Jesus, Deus-Pai, Espírito Santo);
Criando uma estrutura ritual com disciplina, uniforme (farda), altar, crucifixo e prática do rosário;
Estabelecendo códigos morais (como caridade, verdade, justiça, perdão e humildade) que ressoam com o cristianismo popular.

Ou seja, ele traduziu uma experiência espiritual ancestral em uma linguagem religiosa mais familiar, sem perder a essência do contato com o divino por meio da floresta e da bebida sagrada.

Uma forma de sincretismo enraizado

Diferente de um sincretismo superficial, o que Mestre Irineu realizou foi uma integração profunda. A floresta continuou sendo vista como sagrada, a Rainha da Floresta (a ayahuasca personificada) foi associada à Virgem Maria, e o Daime passou a ser chamado de “luz” — não apenas por suas visões, mas por ser um sacramento revelador de consciência.

Essa síntese permitiu que pessoas comuns — analfabetas, migrantes, operários, donas de casa — tivessem acesso a experiências místicas profundas sem precisar sair de sua referência espiritual cristã.

“Sol, lua, estrela
A terra, o vento e o mar
É a luz do firmamento
É só quem eu devo amar

É só quem eu devo amar
Trago sempre na lembrança
É deus que está no céu
Aonde está minha esperança

A virgem mãe mandou
Para mim esta lição
Me lembrar de jesus cristo
E esquecer a ilusão

Trilhar este caminho
Toda hora e todo dia
O divino está no céu
Jesus filho de maria”

Um “xamanismo cristão”?

Alguns pesquisadores dizem que o Santo Daime é uma espécie de xamanismo cristão popular. É uma prática que:

Usa um enteógeno como sacramento;
Promove estados ampliados de consciência;
Se ancora em ensinamentos morais e espirituais cristãos;
Valoriza a cura, a revelação, a comunhão e o autoconhecimento.

Ou seja, Mestre Irineu não apenas adaptou: ele criou uma nova forma de espiritualidade amazônica brasileira, com raízes nos saberes da floresta e nos símbolos do povo.

Princípios da doutrina

A doutrina de Mestre Irineu propõe:

O autoconhecimento e a purificação espiritual
O serviço à humanidade e à natureza
O respeito à hierarquia espiritual
A busca pela verdade, justiça e amor
O uso consciente do Daime como sacramento

Seus hinos — que ele dizia serem “recebidos” espiritualmente — falam de fé, disciplina, humildade, e da presença divina na natureza. O conjunto de hinos que ele compôs é conhecido como o Hinário do Mestre Irineu.

O legado

Mestre Irineu faleceu em 1971, mas seu legado continua vivo em comunidades daimistas no Brasil e no mundo. O Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (CICLU), fundado por ele em Rio Branco (AC), segue sendo referência para o Santo Daime na linha original do Mestre.

Com o tempo, surgiram outras linhas do Daime, como a de Padrinho Sebastião (Igreja Céu do Mapiá), que introduziu novos elementos e expandiu a doutrina.