A História de Humpty Dumpty: O Ovo que Caiu do Muro e Nunca Mais se Refez

Tarsila Pavão Dezembro 22, 2025 3 min read

A Rima Clássica

Poucas figuras do imaginário infantil são tão conhecidas — e ao mesmo tempo tão enigmáticas — quanto Humpty Dumpty. A rima inglesa tradicional, registrada já no século XVII, diz:

Humpty Dumpty sat on a wall,
Humpty Dumpty had a great fall;
All the king’s horses and all the king’s men
Couldn’t put Humpty together again.

Ou, em tradução livre:

Humpty Dumpty sentou-se num muro,
Humpty Dumpty teve uma grande queda;
Todos os cavalos e todos os homens do rei
Não conseguiram juntá-lo novamente.

À primeira vista, trata-se de um simples verso infantil. Mas sob sua aparente inocência, a história do ovo que caiu do muro guarda múltiplas camadas de sentido.

Da Canção Popular ao Ovo Antropomórfico

Originalmente, Humpty Dumpty não era necessariamente um ovo. O termo podia se referir, em inglês arcaico, a uma pessoa corpulenta ou desajeitada, ou até mesmo a um tipo de bebida alcoólica espessa. Algumas teorias históricas sugerem que a rima poderia aludir a um canhão usado na Guerra Civil Inglesa, que caiu de um muro e não pôde ser recuperado.

Foi apenas no século XIX, com as ilustrações de John Tenniel e outros artistas, que Humpty Dumpty ganhou a forma icônica de um ovo antropomórfico sentado em um muro. Desde então, essa imagem consolidou-se na cultura ocidental como símbolo de fragilidade e irreparabilidade. Mas não só.

O Personagem em Lewis Carroll

Em Through the Looking-Glass (1871), Lewis Carroll imortalizou Humpty Dumpty ao transformá-lo em personagem falante. Nesse contexto, ele não é apenas frágil, mas também sábio, irônico e pedante, discutindo com Alice sobre o significado das palavras. É dele a famosa frase:

“Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu quero que signifique”.

Aqui, Humpty Dumpty encarna o poder da linguagem como instrumento de construção da realidade. Sua figura revela uma dimensão filosófica: o mundo não é dado de forma objetiva, mas mediado por palavras que podem ser manipuladas.

O Ovo como Arquétipo

O simbolismo de Humpty Dumpty se aprofunda quando o entendemos dentro do arquétipo do ovo. Em várias culturas, o ovo é imagem de origem, totalidade e potencial. Ele guarda em si o mistério da criação, mas também carrega a inevitabilidade da ruptura: para que a vida surja, a casca precisa ser quebrada.

Cosmogonia: no Egito, o ovo cósmico gera Ra; na Índia, o Hiranyagarbha (ovo dourado) dá origem ao universo.
Alquimia: o ovum philosophicum contém a matéria-prima da transmutação.
Psicologia: simboliza o ego que deve se romper para que o self possa emergir.

Assim, o ovo é ao mesmo tempo símbolo de nascimento e de destruição.

Fragilidade, Irreversibilidade e Condição Humana

Humpty Dumpty é a versão ocidental mais pop desse arquétipo. Ele nos lembra que certas quedas — individuais ou coletivas — não podem ser desfeitas. Sua irreparabilidade ecoa a experiência humana da perda, da fragilidade e da finitude.

Ao mesmo tempo, ele nos mostra o poder da palavra e da consciência: ainda que frágil fisicamente, possui autoridade simbólica. É um paradoxo vivo — vulnerável como um ovo, mas poderoso como quem dita significados.

Um Espelho da Existência

Por trás da rima aparentemente inocente, Humpty Dumpty é um espelho da condição humana. Ele é o ovo que contém o cosmos, mas que inevitavelmente cai. É o potencial da vida que exige ruptura, mas também a lembrança de que há quedas das quais não voltamos mais. É o jogo de linguagem que nos liberta e, ao mesmo tempo, nos aprisiona.

Talvez seja por isso que sua figura permaneça viva por séculos: porque Humpty Dumpty, em sua simplicidade poética, nos fala sobre nós mesmos, sobre a vida, a morte e o mistério de existir.