Cali (Colômbia) — As metas para conservar a biodiversidade mundial firmadas há dois anos, na COP15 (Canadá), incluem manter ao menos ⅓ das terras, mares e águas interiores, até 2030.
O Brasil poderá alcançar e até ultrapassar esse alvo incluindo nas contas outras áreas protegidas e conservadas.
A manutenção da biodiversidade do Brasil é centrada em parques nacionais e outros tipos de unidades de conservação, espalhadas no território todo.
Contudo, elas cobrem hoje quase 30% da Amazônia e da zona marinha, mas parcelas bem menores dos demais biomas.
Agora, o governo prepara uma regulamentação para que terras indígenas e quilombolas, assentamentos e até Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais Rls) – porções que a legislação florestal pede que sejam mantidas em fazendas – engrossem as metas conservacionistas.
“Uma regulamentação deve ser apresentada no início do próximo ano”, contou a O eco, Rita Mesquita, secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Nas mesas de debates internacionais, o tema é tratado como “outras medidas eficazes de conservação baseadas em áreas”, as OMEC. O conceito foi criado na própria Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas e na União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Terras indígenas já homologadas e quilombos titulados podem não entrar na conta das OMEC, pois já entram na base mundial de áreas protegidas. Sua inclusão poderia levar a uma dupla contagem.
“Temos muitas áreas preservadas que não são contabilizadas nas metas de país. Hoje contabilizamos apenas as unidades de conservação da biodiversidade, mas só com elas não cumpriremos as metas”, disse Rita Mesquita.
Mudar isso pede um mapeamento das demais áreas públicas e privadas que realmente mantenham a biodiversidade e definir como serão monitoradas.
Aderir às metas de conservação será voluntário, cada dono legítimo de terras pode incluí-las ou não. De início não estão previstos incentivos financeiros.
“Há debate para que sejam reconhecidos os excedentes de RLs e APPs, além do que a legislação exige”, disse a secretária do MMA. “Precisamos ter critérios rigorosos para todos esses reconhecimentos”, afirmou.
Parte de um grupo técnico que debate a regulação das OMEC no Brasil, junto a outros órgãos e setores públicos e privados, o especialista em Conservação do WWF-Brasil, Osvaldo Gajardo, avalia que isso não pode reduzir a importância das unidades de conservação.
“Serão áreas complementares ao SNUC, o sistema nacional de unidades de conservação”, ressaltou. “As OMEC serão importantes em biomas hoje pouco legalmente protegidos, como o Pantanal e o Cerrado”, apontou.
O mecanismo também não pode sombrear a luta histórica por terras dos povos indígenas, quilombolas e agricultores sem terra, reconhece Gajardo.
“Um reconhecimento como OMEC não pode ser visto como uma solução para conflitos territoriais, como se terras indígenas e quilombolas já tivessem sido homologadas ou tituladas”.
Comunidade quilombola do Tambor, no município de Novo Airão, no Amazonas, mantém uma grande área conservada. Foto: Débora Menezes/Arquivo pessoal/O Eco.
Na prática, a regulamentação pode acelerar a implantação da legislação florestal de 2012, seja regularizando ambientalmente fazendas quanto restaurando a vegetação nativa, bem como ajeitar o reconhecimento de terras indígenas e quilombolas no país.
“Isso pode dar uma alavancada positiva nesses gargalos”, afirma Osvaldo Gajardo, especialista em Conservação do WWF-Brasil.
Apesar do papel dessas áreas na proteção da natureza, seus povos seguem sendo escanteados nos debates e janelas de financiamento mundiais para conservação, falou Ana Delia Fernàndez, da organização de Mulheres Indígenas do Povo Wayuu e da Rede de Mulheres Defensoras da Natureza, ambas da Colômbia.
“Os povos indígenas globais precisam de maior influência nas decisões e acesso a financiamentos para seguir conservando a natureza e nossos modos de vida”, disse a ativista.
Segundo ela, quem toma as decisões na conferência precisa entender que povos indígenas e tradicionais têm uma noção de desenvolvimento diferente da dominante no planeta, que está acabando com a harmonia entre humanidade e natureza.
“Sem isso, teremos ainda mais destruição da natureza e da vida humana. Isso pode ser reforçado com leis nacionais que reconheçam os direitos de existir dos animais, das plantas, dos rios, da natureza como um todo”, disse Ana Delia.
Demandas similares às dos indígenas chegaram à COP16 por meio de movimentos afrodescendentes. O último censo do IBGE apontou que 64% da população amazônica é negra. Brasil e Colômbia propuseram juntos que seja reconhecido que essas pessoas ajudam a conservar a biodiversidade.
Fonte: oeco.org.br
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