Gravidade e entrelaçamento quântico
Um experimento permitiu pela primeira vez estudar a dinâmica – o comportamento – de um tipo de buraco de minhoca muito especial: Um tipo que, ao menos teoricamente, pode ser atravessado, unindo dois pontos distantes do Universo.
O experimento não criou um buraco de minhoca real, que seria um túnel no espaço e no tempo, mas permitiu que os pesquisadores investigassem as conexões entre os buracos de minhoca teóricos, estudados no campo da Relatividade, e a gravidade quântica, uma previsão da mecânica quântica.
Enquanto a gravitação newtoniana e a gravidade espaço temporal de Einstein são todas descrições “clássicas” da força da gravidade, a gravidade quântica refere-se a um conjunto de teorias que buscam conectar a gravidade com a física quântica, duas descrições fundamentais e bem estudadas da natureza que parecem inerentemente incompatíveis entre si e, por isso, não costumam se falar.
O experimento, rodando em um computador quântico, permitiu pela primeira vez estudar o mesmo sistema – o buraco de minhoca – usando os dois quadros teóricos. E, de forma um tanto surpreendente, o resultado mostrou-se totalmente compatível com a expectativa de ambas as teorias.
“Nós encontramos um sistema quântico que apresenta as principais propriedades de um buraco de minhoca gravitacional, mas é suficientemente pequeno para ser implementado no hardware quântico atual,” contou a professora Maria Spiropulu, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). “Este trabalho constitui um passo em direção a um programa maior de teste da física da gravidade quântica usando um computador quântico. Ele não substitui sondas diretas de gravidade quântica, da mesma maneira que outros experimentos planejados para investigar os efeitos da gravidade quântica no futuro usando sensoriamento quântico, mas oferece um poderoso campo de teste para exercitar ideias sobre a gravidade quântica.”
Outros pesquisadores já mostraram que os buracos de minhoca permitem viagens espaciais – para átomos e para humanos, embora outros afirmem que a viagem por um buraco de minhoca seria lenta demais.
Buracos de minhoca e teletransporte
Buracos de minhoca são pontes entre duas regiões remotas no espaço-tempo. Eles nunca foram observados experimentalmente, mas os cientistas teorizam sobre sua existência e propriedades há quase 100 anos.
Em 1935, Albert Einstein e Nathan Rosen descreveram os buracos de minhoca como túneis através do tecido do espaço-tempo apoiando-se na Teoria Geral da Relatividade, que descreve a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo. É por isso que hoje os físicos chamam os buracos de minhoca de pontes de Einstein-Rosen, enquanto o próprio termo “buraco de minhoca” foi cunhado pelo físico John Wheeler na década de 1950, o mesmo que cunhou o termo “buraco negro”.
A noção de que os buracos de minhoca e a física quântica – especificamente o entrelaçamento, um fenômeno no qual duas partículas podem permanecer conectadas através de grandes distâncias – podem ter uma conexão foi proposta pela primeira vez por Juan Maldacena e Leonard Susskind em 2013. Eles especularam que os buracos de minhoca seriam equivalentes ao entrelaçamento, estabelecendo um novo tipo de ligação teórica entre os mundos da gravidade e da física quântica. “Foi uma tarefa muito ousada e uma ideia poética,” comentou Spiropulu sobre a proposta, que os físicos hoje chamam de ER = EPR, onde ER são os buracos de minhoca (Einstein-Rosen) e EPR é o entrelaçamento quântico (Einstein-Podolsky-Rosen).
Mais tarde, em 2017, Daniel Jafferis e seus colegas Ping Gao e Aron Wall estenderam a ideia ER = EPR não apenas para os buracos de minhoca, mas também para os buracos de minhocas atravessáveis. Eles idealizaram um cenário no qual uma energia negativa repulsivamantém um buraco de minhoca aberto por tempo suficiente para que algo passe de uma extremidade à outra.
Eles demonstraram que essa descrição gravitacional de um buraco de minhoca atravessável é equivalente a um processo conhecido como teletransporte quântico. No teletransporte quântico, que já foi demonstrado experimentalmente em longas distâncias via fibra óptica e até pelo ar, a informação é transportada pelo espaço usando os princípios do entrelaçamento quântico.
A matemática dos buracos negros é praticamente a mesma do entrelaçamento quântico, indicando que ambos podem ser diferentes manifestações da mesma realidade física.
Entrelaçamento quântico = atravessar um buraco de minhoca
Agora, Jafferis e seus colegas levaram adiante o estudo da equivalência dos buracos de minhoca com o teletransporte quântico. Para isso, eles fizeram os primeiros experimentos que investigam a ideia de que a informação que viaja de um ponto a outro no espaço pode ser descrita na linguagem da gravidade (os buracos de minhoca) ou na linguagem da física quântica (o entrelaçamento quântico).
A equipe realizou o experimento inédito usando o processador quântico Sycamore, do Google. Eles usaram um modelo bem resumido, conhecido como SYK (Sachdev-Ye-Kitaev), para preservar as propriedades gravitacionais, e então observaram a dinâmica do buraco de minhoca. Para conseguir isso, a equipe teve que primeiro reduzir o modelo SYK, no qual as dinâmicas quânticas são equivalentes aos efeitos da gravidade quântica, a uma forma simplificada, feito que eles conseguiram usando ferramentas de aprendizado de máquina em computadores convencionais.
No experimento, os pesquisadores inseriram um qubit em um de seus sistemas semelhantes ao SYK e observaram as informações emergirem do outro sistema. A informação viajou de um qubit para o outro via teletransporte quântico. E, como ER = EPR, isso pode ser interpretado como: O teletransporte quântico abriu um buraco de minhoca no espaço-tempo. Ou ainda, falando na linguagem complementar da gravidade, a informação quântica passou pelo buraco de minhoca atravessável.
Ponte entre Relatividade e mecânica quântica
Os resultados mostram o comportamento esperado do buraco de minhoca tanto da perspectiva da gravidade quanto da física quântica. Por exemplo, embora a informação quântica possa ser transmitida pelo dispositivo, ou teletransportada, de várias maneiras, o processo experimental mostrou-se equivalente, pelo menos em alguns aspectos, ao que poderia acontecer se a informação viajasse por um buraco de minhoca.
Para conseguir isso, a equipe tentou “abrir o buraco de minhoca” usando pulsos de energia negativa repulsiva, ou o oposto, energia positiva. Eles observaram assinaturas-chave de um buraco de minhoca atravessável apenas quando o equivalente à energia negativa foi aplicado, o que é consistente com o comportamento esperado dos buracos de minhoca.
“A relação entre entrelaçamento quântico, espaço-tempo e gravidade quântica é uma das questões mais importantes da física fundamental e uma área ativa de pesquisa teórica,” comentou Spiropulu. “Estamos empolgados em dar este pequeno passo para testar essas ideias em um hardware quântico, e continuaremos seguindo adiante.”
Bibliografia:
Artigo: Traversable wormhole dynamics on a quantum processor
Autores: Daniel Jafferis, Alexander Zlokapa, Joseph D. Lykken, David K. Kolchmeyer, Samantha I. Davis, Nikolai Lauk, Hartmut Neven, Maria Spiropulu
Revista: Nature
Vol.: 612, pages 51-55
DOI: 10.1038/s41586-022-05424-3
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