Ganesha: O Divino em Forma de Obstáculo

Obstáculos existem na vida de todos nós. E não é aleatório o fato de que Ganesha, popularmente conhecido como o “removedor de obstáculos” é uma das divindades do panteão hindu mais conhecidas – e adoradas – em todo o mundo. Claro, sabemos o motivo: em todos os lugares ouvimos dizer que “o deus de cabeça de elefante é o símbolo da prosperidade, da abundância, do sucesso em todos empreendimentos e aquele que remove os obstáculos e abre todos os caminhos”. Mas será que é só isso mesmo?

De acordo com o Vedanta – uma das principais escolas filosóficas da Índia – Ganesha não é só aquele que remove (Vignaharta), mas inclusive aquele que cria obstáculos (Vignakarta). Em outras palavras, o Vedanta compreende Ganesha como “o divino em forma de obstáculo”. Seu caráter paradoxal nos aponta uma questão interessante: o mesmo que tem a função de embriagar a mente numa constante ilusão, é o mesmo ser que nos estimula ao despertar e a nos libertar das distrações que nos aprisionam.

       Ganesha é compreendido principalmente como símbolo do intelecto superior e da sabedoria discriminativa (viveka). Ele representa o poder de discernimento necessário para atravessar a ilusão (maya) e alcançar o conhecimento do Ser (Atman).
Seu papel é o de remover os obstáculos da ignorância e preparar o aspirante para o caminho do autoconhecimento. Ganesha, nesse contexto, é o princípio que protege e introduz o buscador no caminho da Verdade Absoluta (Brahman).

      Essa divindade tão querida é o guardião dos começos. Nenhuma jornada espiritual ou material se inicia sem que ele seja reverenciado. Por isso, sua função vai além de abrir caminhos — ele protege os portais do tempo, do ego e da consciência. Se algo não pode passar, é porque ainda não está pronto. Ganesha, nesse sentido, é um filtro simbólico: o que resiste, precisa amadurecer.

       Deste modo, o Vedanta vê Ganesha como o guardião do Dharma: a lei cósmica que sustenta o universo — aquilo que dá sentido, direção e equilíbrio à existência. É o caminho da verdade, mas também o nosso dever mais profundo: viver de acordo com a natureza essencial do ser. É aí que Ganesha entra: ele não apenas abre caminhos — ele coloca os obstáculos certos na hora certa. Isso porque, para seguir o Dharma, nem sempre basta avançar. Às vezes é preciso parar, ajustar a rota, criar força e e adquirir sabedoria interior.

       Assim, Ganesha não é só um símbolo de sucesso, mas um mestre da pausa. Ele nos lembra que o verdadeiro caminho se revela não apenas quando tudo flui, mas quando compreendemos o porquê das travas. Em textos antigos como o Mahabharata, e Shiva Purana, encontramos as narrativas mitológicas do ser que é símbolo também do sacrifício e entrega ao divino em todas as suas formas.

Ganesha, na tradição hindu nos ensina a arte da devoção, da entrega e da certeza que tudo passa. E que cada obstáculo, por mais difícil que seja, é o divino agindo em nossas vidas para nos libertar das ilusões.

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Tarsila Pavão

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