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Uma revolução na interpretação do mundo quântico está acontecendo. Assim como as Teorias da Relatividade (Especial e Geral) alteraram a geometria do espaço-tempo, também a estrutura quântica pode ser associada a uma particular mudança na geometria, caracteristica do mundo microscópico.
Com efeito, a geometria proposta na segunda década do século passado por Hermann Weyl está sendo usada para descrever o mundo quântico. Isso foi possível a partir da identificação do potencial quântico à curvatura da geometria de Weyl – na interpretação de Louis DeBroglie e David Bohm do quantum.
De um modo simplista, podemos dizer que as surpresas inusitadas do mundo quântico foram associadas à variação do comprimento das réguas, quando transportadas de um lugar para outro. Em um primeiro momento, parece ter-se transformado aquelas surpresas quânticas em outra forma de estranheza, pois estamos acostumados a considerar uma régua como um instrumento fixo, capaz de medir distâncias de modo absoluto e direto. No entanto, isso é o que experimentamos em nosso cotidiano, no mundo determinado pela geometria euclideana. Não é o que ocorre no microcosmos
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GEOMETRIA DO ESPAÇO-TEMPO
No começo do século 20 ficou claro para vários cientistas, que a separação entre o tempo e o espaço tridimensional, usado desde sempre na fisica newtoniana, deveria ser alterado, dando lugar a uma unificação, na construção de uma estrutura quadridimensional, o espaço-tempo.
A principal consequência dessa unificação foi a necessidade da transformação da geometria euclideana para uma forma especial de geometria, elaborada pelo matemático Henri Poincaré e por fisicos como Lorentz, Minkowski e Einstein. Essa geometria ficou conhecida como sendo geometria de Minkowski. É um caso particular das geometrias que meio século antes o matemático Benrhard Riemann havia estabelecido.
Na geometria euclideana, a distância entre dois pontos do espaço tridimensional é sempre positiva. Ela será nula somente no caso em que os dois pontos coincidem.
A particularidade notável da geometria de Minkowski se deve ao fato de que é possivel que a distância entre dois pontos do espaço-tempo seja nula sem que esses pontos sejam o mesmo. Ou seja, a distância na geometria de Minkowski não é definida positivamente.
A base observacional para essa alteração foi resultado de experiências realizadas ao longo do século 19 segundo as quais existe uma velocidade máxima de propagação de qualquer forma de matéria ou energia. Essa velocidade máxima seria precisamente a da luz. Como consequência, dois pontos quaisquer separados por um feixe de luz possuem uma distância nula, segundo a forma de calcular na geometria de Minkowski.
Foi precisamente a existência de um limite na velocidade de propagação de qualquer corpo que levou à construção da nova geometria.
Essa geometria de Minkowski é constante e não possui curvatura.
Um passo mais adiante aconteceu com a identificação de uma geometria variável no espaço-tempo em presença de processos gravitacionais, como descrito na Teoria da Relatividade Geral (RG).
A ideia dessa identificação é simples.
Consideremos um corpo qualquer M que está acelerado devido à força da gravitação no esquema newtoniano tradicional. É possivel mudar a representação desse corpo de tal modo que na nova representação ele seja descrito como em repouso ou em velocidade constante, sem aceleração?
Se isso for possivel, teriamos eliminado a “força” ou melhor trocado o modo “força” pela nova representação.
Baseado na geometria que o matemático Riemann havia construido no século anterior, Albert Einstein mostrou que sim, é possivel realizar aquela eliminação da força, simplemente alterando o substrato geométrico onde o corpo se move.
Ou seja, a força é substituida pela modificação da geometria do espaço-tempo. Isso só é possivel porque aquela força é universal, ou seja, atua sobre tudo que existe, pois uma alteração na geometria é sentida por todos os corpos.
Surge então a questão: como a estrutura quântica é também universal, seria possivel transformar a interpretação convencional do mundo quântico ( e suas estranhas propriedades), alterando o modo de representar os processos quânticos?
E, possivelmente, através de um procedimento semelhante ao da Relatividade Geral, de alteração da geometria no mundo microscópico?
Recentemente mostrou-se que sim, isso é possivel.
Para entendermos como isso é possivel, é preciso considerer duas linhas distintas de investigação:
- Formulação dos fisicos Louis deBroglie e David Bohm da Teoria quântica;
- Geometria não-riemanniana proposta pelo matemático Hermann Weyl.
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ONDA E PARTICULA
Processos proibidos pela fisica clássica acontecem no mundo microscópico. Por exemplo, uma particula alpha (o núcleo do átomo Hélio) pode ultrapassar uma barreira de potencial (uma espécie de muro que seria intransponivel, segundo a fisica clássica), mesmo que ela não tenha energia suficiente para realizar esse fenômeno. E, no entanto, isso acontece!
Ao invés de descrever uma particula como algo localizado, a mecânica quântica lhe atribui uma descrição como uma onda, a função de onda, em uma caracterização semelhante à da luz.
Uma das principais consequências desse mundo quântico, associada ao chamado Principio de Incerteza proposto por Werner Heisenberg, impede na prática a possibilidade de atribuir uma localização espacial e uma velocidade definida aos corpos.
Para explicar a dualidade onda-corpúsculo que as particulas no mundo microscópico apresentam, o fisico Erwin Schrödinger postulou a existência de uma “função de onda” capaz de descrever esse comportamento quântico. Essa função deveria satisfazer uma equação fundamental, que ficou conhecida como “equação de Schrödinger”.
Ela era uma consequência natural da descoberta que a mecânica quântica produz uma alteração nas leis da fisica clássica, capaz de descrever os processos incontroláveis que ocorrem no mundo microscópico, em todo processo de medida.
É essa função de onda que descreveria completamente o sistema fisico.
DeBroglie (1926) deu um passo adiante e sugeriu que essa função de onda não somente caracterizaria a partícula, como tambem serviria como guia de sua trajetória. Em seus termos, seria uma “onda piloto”, a dirigir o movimento da particula.
Isto é, um sistema isolado descrevendo uma particula livre seria definida simultaneamente pela função de onda e uma particular trajetória do corpo puntiforme. A função de onda serve efetivamente como um guia, orientando sua trajetória.
Ou seja, tudo se passa como se houvesse uma força de caráter universal, derivada de um potencial quântico, Q, a alterar o estado de movimento da particula.
Em1952 David Bohm reviveu essa proposta de deBroglie, que a comunidade dos fisicos havia esquecido.
Entendemos assim, essa proposta como uma tentativa de recuperar parte da interpretação clássica da descrição da natureza.
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O POTENCIAL QUÂNTICO: DE LOUIS DEBROGLIE A DAVID BOHM
Nas duas últimas décadas do século 20 a interpretação do mundo quântico sugerida por Louis de Broglie nos anos 30 adquiriu um novo vigor através do exame feito por David Bohm.
A interpretação de Bohm-deBroglie encontrou um território natural para sua aplicação na cosmologia.
Com efeito, a interpretação convencional (dita, de Kopenhagen) se baseia na interferência de um observador externo ao sistema quântico em observação. Isso não é possivel de ser aplicada ao universo (por definição, não existe um “observador externo” ao universo). Como a versão de Bohm-deBroglie não requer essa interferência, ela foi naturalmente aplicada à cosmologia.
Assim, foi construida a interpretação de uma proposta feita pelos fisicos americanos John Wheeler e Bryce DeWitt na elaboração do que veio a ser entendido como uma cosmologia quântica.
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UNIVERSALIDADE DO MUNDO QUÂNTICO: NAS TRILHAS DA RELATIVIDADE GERAL
Se o potencial quântico Q atua sobre tudo que existe, como pretendem deBroglie, Bohm e outros, então é possível imaginar que a análise de Einstein da interação gravitacional e sua redução da força gravitacional a uma modificação da geometria do espaço-tempo, também pode ser aplicada ao mundo quântico.
A questão então passa a ser: qual seria a modificação geométrica capaz de reproduzir exatamente o potencial quântico?
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UMA DESCRIÇÃO GEOMÉTRICA DO MUNDO QUÂNTICO
A força quântica na formulação deBroglie-Bohm possui duas propriedades fundamentais:
- É universal;
- Deriva de um potencial Q.
Essas duas propriedades sugerem tratar essa força-Q de modo análogo à interação gravitacional, na formulação que Einstein estabeleceu em sua Teoria da Relatividade Geral. Isto é, como uma alteração na geometria.
Para entender como isso pode ser feito, vamos examinar o que acontece na RG.
A força gravitacional newtoniana possui duas propriedades essenciais:
- É universal;
- Deriva de um potencial N.
Na RG se mostra como, no espaço-tempo (ET) onde un corpo qualquer se movimenta sob a ação da gravitação newtoniana, é possivel eliminar o efeito dessa força e tratar o corpo como “livre”, modificando a geometria do substrato ET.
Isto é, ao invés de descrever o movimento do corpo como se existesse uma força atuando sobre ele, altera-se a geometria do espaço onde esse corpo está mergulhado.
Dizemos que um corpo de massa M é considerado livre de qualquer força se ele segue uma trajetória especial chamada geodésica. As curvas geodésicas dependem da estrutura geométrica do espaço onde elas estão. Elas são tais que o movimento de um corpo cuja trajetória é uma geodésica, não possui aceleração. Ou seja, é um corpo livre, sem nenhuma força externa atuando sobre ele.
Dessa forma, na Teoria da Relatividade Geral os corpos acelerados pela força gravitacional são interpretados como corpos livres, seguindo curvas geodésicas em uma geometria especifica que substitui a ação gravitacional pela modificação da geometria.
Na RG essa geometria é genérica e pode ser uma daquelas descritas na formulação de Riemann, dependendo da fonte que provocou o fenômeno gravitacional.
Assim, para realizarmos uma representação do que ocorre no mundo quântico, procurando uma representação que elimine o potencial quântico Q, devemos considerer uma outra forma de geometria que não esteja contida na formulação de Riemann. Isso vai nos conduzir à geometria do matemático alemão Hermann Weyl.
Em sintese, ao invés de tratar a força quântica na estrutura geométrica de Minkowski (nosso mundo convencional), passamos a descrever essa força como nada mais do que a alteração dessa geometria.
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A GEOMETRIA DE WEYL
Em 1918 Hermann Weyl (1885-1955) propôs uma modificação na estrutura da geometria de Riemann.
A ideia fundamental, na linguagem matemática, consiste em não aceitar a invariância dos comprimentos em um transporte paralelo. Dito de modo mais simples: aceitar que as réguas, com as quais se fazem as medidas de distância, possam depender de sua localização no espaço.
Ou seja, a geometria não fica completamente determinada somente com o conhecimento da métrica. É preciso alguma coisa mais.
Sabia-se que além da métrica uma estrutura em uma variedade requer o conhecimento de sua conexão, um objeto não-tensorial cuja característica depende do sistema de coordenadas. Na geometria de Riemann a conexão se escreve em termos de produtos da métrica e suas derivadas. Na estrutura geométrica de Weyl, essas duas quantidades são independentes.
Isso significa que a derivada (covariante) da métrica não é zero, como Riemann havia imposto em sua formulação da geometria.
Na extensão proposta por Weyl, essa derivada depende de um vetor. A razão que levou Weyl a essa modificação estava relacionada à tentativa de seguir os passos de Einstein em sua geometrização da gravitação.
Weyl (como Einstein, mas de modo completamente diverso) procurava geometrizar o eletromagnetismo associando esse vetor adicional de sua geometria ao potencial do campo eletromagnético.
Por várias razões essa tentativa não funcionou e a geometria de Weyl ficou esquecida pelos físicos.
A ressureição dessa geometria aconteceu nas últimas décadas do século 20 graças a alguns aspectos cosmológicos, como explica claramente o matemático alemão Erhard Scholz (especialista em história da matemática) em seu artigo The unexpected resurgence of Weyl geometry in late 20th century physics publicado em arXiv 1703 03187 (2017)
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WEYL E A DINÂMICA DO UNIVERSO
No inicio do século 20 Weyl postulou uma nova geometria. A principal motivação para isso estava relacionada à possibilidade de realizar com a força eletromagnética o mesmo que Einstein havia feito com a força gravitacional, ou seja associar o processo eletromagnético a uma propriedade da geometria.
Essa geometria de Weyl tinha uma propriedade totalmente nova, a saber, as unidades de medida que a determinam na prática, (isto é, réguas e relógios) variam com a posição onde se realiza a medida.
No entanto, vários argumentos contra essa possibilidade surgiram entre seus pares (Einstein, entre outros)—que exibiram dificuldades insuperáveis em conciliar essa geometria de Weyl com propriedades do mundo fisico. Ou seja, embora do ponto de vista formal, a nova geometria poderia ser considerada coerente e dentro das regras matemáticas, ela não poderia ser aplicada ao mundo real.
Passados quase um século, essa geometria de Weyl renasceu em diversos momentos na Cosmologia e também – o que nos interessa aqui – na interpretação do mundo quântico.
Sobre a aplicação da geometria de Weyl na Cosmologia, o leitor interessado deve consultar o artigo de Scholz.
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O MUNDO QUÂNTICO E A GEOMETRIA DE WEYL
É posivel mostrar que o potencial quântico Q, na descrição de Bohm e deBroglie da Teoria quântica, possui uma estreita analogia com a curvatura do espaço, se considerarmos que a geometria do mundo microscópico tem a natureza descrita por Weyl.
A dinâmica construida por Bohm que reproduz as propriedades da equação de Scrödinger — e que pode ser entendida como uma fiel alternativa de representação das ideias dos processos quânticos – pode ser igualmente representada pela curvatura do espaço especial de Weyl.
A identificação do escalar de curvatura do espaço (tridimensional) de Weyl como a origem última dos efeitos quânticos leva também a uma versão geométrica do principio de incerteza de Heisenberg. Essa descrição geométrica considera o principio de incerteza como a quebra da noção clássica de fixação das medidas efetuadas pelas réguas. Ou seja, ela identifica os efeitos quânticos à variação das réguas-padrão, usadas para efetuar medidas.
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GEOMETRIA E FISICA
O matemático Bernhard Riemann em sua Tese (On the hypothesis which lie at the foundations of geometry, Universidade de Göttingen, 1854) sugeriu que a escolha da geometria, entre todas as possiveis geometrias, deveria ser feita pela observação da natureza. Isto é, a ciência da fisica determina a geometria do mundo.
No século 20, vimos aparecer casos especiais das geometrias de Riemann em situações da fisica que selecionaram algumas, como a geometria de Minkowski e as geometrias geradas na Teoria da gravitação de Einstein.
Nos últimos anos do século passado, uma nova geometria, que não é do tipo descrito por Riemann, começou a ter relevância no mundo microscópico: a geometria de Weyl.
Sintetizando essas alterações da geometria do mundo, podemos dizer que a cinemática dos corpos induz (via Relatividade Especial) a geometria de Minkowski; a interação gravitacional induz (via Relatividade Geral) diferentes exemplos da geometria de Riemann; o mundo microscópico (via teoria de deBroglie-Bohm do quantum) induz uma geometria de Weyl.
As inusitadas propriedades do mundo quântico parecem ficar menos estranhas com essa nova descrição do mundo microscópico, quando as identificamos a alterações da geometria. Com efeito, uma das causas da estranheza do mundo quântico está associada à extensão simplista da geometria euclidiana de nosso cotidiano ao nivel microscópico.
Escolher a priori uma única geometria extendendo-a a todos os dominios do espaço é, não somente, temerário, mas sem respaldo na experiência.
Trata-se somente de um embasamento formal, associado à inércia do pensamento.
Devemos adotar a geometria de Weyl no microcosmo pela mesmas razões que lá atrás, no inicio da fisica newtoniana, haviamos aceitado a geometria euclidiana como a boa representação da natureza.
Imaginar que o comprimento padrão das réguas com que efetuamos medidas espaciais seja constante ou variável, é uma decisão – como diria Riemann – que somente a observação pode determinar.
Identificar a caracteristica principal do mundo quântico à geometria de Weyl retira um certo deslumbramento pernicioso com que o quantum tem aparecido nos meios não-cientificos.
Em sintese, podemos afirmar que os fisicos –seguindo as pegadas de Einstein –estão construindo uma representação fiel do microcosmos através da associação das surprendentes caracteristicas do dominio do quantum a uma (simples) alteração da geometria.
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Fonte: Cosmos & Contexto
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