Conforme noticiado pelo Olhar Digital, ao decifrar um velho manuscrito, pesquisadores descobriram a cópia mais antiga conhecida de um evangelho sobre a infância de Jesus. O fragmento de papiro, guardado em uma biblioteca em Hamburgo, na Alemanha, passou despercebido por décadas. Publicada na revistaZeitschrift für Papyrologie und Epigraphik a descoberta contou com a participação de um brasileiro.

Relatos como o Evangelho da Infância de Tomé discutem os milagres de Jesus criança, mas não são aceitos como parte do cânone bíblico. Agora, um novo papiro oferece uma versão ainda mais antiga desse texto, o que é um achado significativo para a pesquisa histórica e teológica.

Fragmento recém-descoberto de manuscrito do evangelho mais antigo já descoberto, remetendo aos séculos IV e V. Crédito: Staats-und Universitätsbibliothek Hamburg/Public Domain Mark 1.0

Sobre o papiro que conta história de Jesus

Para entender a importância do novo fragmento, é essencial conhecer a história da Bíblia. Embora vista como a palavra indelével de Deus e símbolo da fé cristã, o livro sagrado sofreu muitas mudanças ao longo dos séculos. Seus 66 livros foram escritos por mais de 40 autores ao longo de um extenso período de tempo. Além dos textos canônicos, existem muitos relatos apócrifos, que são histórias não aceitas como Escritura, embora algumas tenham sido consideradas como tal em determinados momentos da história.

Um desses textos apócrifos, um fragmento de papiro catalogado como “P.Hamb.Graec. 1011”, estava há décadas na Biblioteca Estadual e Universitária Carl von Ossietzky, de Hamburgo.

Segundo os papirologistas Lajos Berkes, pesquisador do Instituto para o Cristianismo e a Antiguidade da Humboldt-Universität zu Berlin (HU), e o brasileiro Gabriel Nocchi Macedo, da Universidade de Liège, na Bélgica, o achado é o mais antigo exemplo conhecido do Evangelho da Infância de Tomé, datando de 1,6 mil anos atrás.

O fragmento, que mede cerca de 11 por 5 centímetros, contém um total de treze linhas em letras gregas, cerca de 10 letras por linha, e é originário do Egito antigo tardio. O papiro passou despercebido por quase 100 anos, pois o conteúdo era considerado insignificante.

Brasileiro conta como foi a descoberta do manuscrito

Natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Nocchi Macedo mudou-se para a Bélgica há 20 anos, onde estudou letras clássicas e se especializou em papirologia, ciência que examina papiros antigos.

Gabriel Nocchi Macedo, gaúcho de Porto Alegre, é um dos descobridores do manuscrito mais antigo até agora spbre a vida de Jesus. Crédito: Universidade de Liège

 

Em entrevista ao G1, ele conta que dá aula sobre o tema. “A principal atividade é consultar papiros em diversas coleções e museus”. E foi exatamente assim que ele e Berkes descobriram o material sobre a infância de Jesus.

“Por sorte, estávamos examinando fotos dos papiros da Universidade de Hamburgo, que foram digitalizados, e encontramos um papiro, lemos o texto (escrito em grego antigo) e identificamos como uma passagem sobre a vida de Jesus”, relata.

O destaque do trabalho de Nocchi Macedo e Berkes foi dar atenção a um documento aparentemente insignificante. “É um papiro pequeno, não é bonito e está mutilado. Registros assim podem fornecer muita informação e enriquecer nosso conhecimento do passado. Todas as fontes, mesmo que ‘menores’ e ‘feias’, podem ser importantes”.

Para Nocchi Macedo, o texto não recebeu atenção porque parecia um registro cotidiano, sem relevância histórica. Ele viajou com o colega a Hamburgo para examinar o papiro de perto.

Em um comunicado, Nocchi Macedo e Berkes relatam a descoberta. Eles contam que, primeiro, notaram a palavra “Jesus” no texto. Ao compará-lo com vários outros papiros digitalizados, decifraram letra por letra e rapidamente concluíram que não poderia ser um documento cotidiano.

Ao analisar e comparar palavras como “cortar” e “galho”, que aparecem no texto, os pesquisadores conseguiram vinculá-lo a uma história conhecida como “vivificação dos pardais”.

A história descrita no fragmento narra o “segundo milagre” de Cristo, onde o menino Jesus brincava em um riacho fazendo pardais de barro. Quando repreendido por seu pai, José, por fazer isso no sábado (dia de resguardo), a criança teria batido palmas e dado vida às figuras de lama.

O valor do papiro está em reforçar a ideia de que os textos do início do cristianismo eram escritos em grego. “O grego era a língua da cultura. Esse evangelho da infância é conhecido em 9 línguas antigas, mas o original era grego, e este papiro é o documento mais antigo que registra esse texto, provando isso”, afirma Nocchi Macedo.

Ele diz ainda que essa página não fazia parte de um livro e que a caligrafia não é das mais belas, sugerindo que o documento pode ter sido escrito por um estudante, e não por um copista profissional.