
Até o final do século 17, a vareta de madeira utilizada para tocar instrumentos de corda como violinos, violas, violoncelos e contrabaixos era considerada um mero acessório, sem grande importância no universo musical clássico.
Contudo, essa percepção começou a mudar com a intervenção do relojoeiro francês François Xavier Tourte (1747-1835), que, sendo filho de um luthier, teve uma visão inovadora sobre a construção dos arcos. Tourte percebeu que, ao aplicar calor à vareta de madeira, era possível criar um arco côncavo, que não apenas melhorava a tensão sobre as cordas feitas de crina de cavalo, mas também proporcionava uma sonoridade muito melhor.
Essa descoberta foi potencializada pelo uso do pau-brasil, uma árvore nativa do Brasil, que se destacou por suas qualidades excepcionais de flexibilidade e resistência, características que garantiam a afinação e a durabilidade do arco sem o risco de quebra. Assim, o pau-brasil se tornou o padrão-ouro para arcos em orquestras ao redor do planeta, elevando a qualidade sonora dos instrumentos.
No entanto, quase 250 anos depois, essa tradição se vê envolta em uma controvérsia significativa que coloca em conflito músicos de renomadas orquestras e archetiers — os fabricantes de arcos — com ambientalistas e autoridades do Brasil. O cerne da disputa gira em torno da fabricação de arcos de pau-brasil, uma espécie que está em risco de extinção.
Desde 2023, o comércio dessa madeira nobre, que se estende desde o ES até PE, está praticamente proibido, uma vez que o Ibama não concedeu licenças ambientais para sua exploração.
Essa proibição não é meramente burocrática; ela é uma resposta a ações de desmatamento e contrabando que foram desmanteladas em operações como a Operação Dó-Ré-Mi, realizada em 2022, que resultou na apreensão de 42.000 varetas e 150 toretes, avaliados em cerca de 2 milhões de reais. Em 2024, outras apreensões somaram 23 milhões em multas, evidenciando a gravidade da situação.
A fiscalização e a punição de atividades ilegais relacionadas ao pau-brasil são tarefas complicadas. O registro de madeiras cortadas legalmente em áreas de replantio é frequentemente utilizado para “esquentar” estoques provenientes de matas nativas, o que dificulta ainda mais a situação.
Além disso, o contrabando de varetas brutas para nações como os EUA, Europa e China, onde são transformadas em arcos por archetiers renomados, representa um mercado robusto, que movimentou cerca de 2 bilhões de dólares em vendas totais de instrumentos em 2024. Nesse contexto, uma das propostas para mitigar a exploração do pau-brasil seria sua inclusão no Apêndice 1 da CITES, uma convenção internacional que regula o comércio de fauna e flora.
O Brasil já sugeriu essa alteração durante a CoP19 em 2022, mas sem sucesso, e reiterou essa proposta em uma manifestação recente à CITES. Atualmente, o pau-brasil está listado no Apêndice 2, que permite o comércio desde que o corte seja comprovadamente legal, mas o Ibama alerta que esses documentos são frequentemente alvo de falsificações.
Pau-brasil
A proposta de inclusão do pau-brasil no Apêndice 1 é vista como uma medida radical, pois complicaria a viagem de músicos com seus arcos, gerando resistência de figuras proeminentes como o violoncelista Yo-Yo Ma, que defende a ideia de que os arcos de pau-brasil são insubstituíveis e atuam como embaixadores do Brasil no planeta.
Ma argumenta que é possível achar um equilíbrio entre a conservação e o uso sustentável da madeira. Essa visão, embora idealista, reflete uma realidade complicada, onde a preservação do pau-brasil poderia, de fato, servir ao soft power do Brasil, mas atualmente o comércio da madeira é dominado por estrangeiros, com grandes estoques existentes em nações como China, França e EUA.
A proibição do comércio legal de pau-brasil desde 2022 impactou negativamente a incipiente indústria nacional de arcos, que havia se desenvolvido entre 2018 e 2022, quando o Brasil permitiu o uso de madeira certificada por archetiers locais. Durante esse período, foram comercializadas 22.286 varetas e 50.841 arcos, gerando um movimento financeiro de 46 milhões de reais.
Atualmente, os archetiers do Brasil têm recorrido a madeiras alternativas como ipê e maçaranduba, que, embora utilizáveis, não oferecem o mesmo resultado sonoro que o pau-brasil. O archetier brasileiro Daniel Lombardi, de 76 anos, um dos autores do livro “Pau-Brasil, da Semente à Madeira”, expressa a frustração da comunidade ao afirmar que o Brasil possui profissionais altamente capacitados e a obrigação de suprir o mercado mundial com arcos de qualidade.
A situação do pau-brasil, portanto, é um microcosmo de um debate mais amplo sobre conservação, comércio e cultura. Com uma fiscalização adequada, medidas de conservação e um diálogo aberto com a indústria de instrumentos, talvez um dia a discórdia em torno do arco do violino possa ser superada, permitindo que a tradição musical e a preservação ambiental coexistam de maneira harmoniosa.
Fonte: portaltela.com
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Acredito ser possível um consenso entre a preservação e a conservação ambiental e também da Cultura musical. Basta os órgãos competentes atuar de forma legal e consciente ao desenvolvimento do país e suas riquezas. Seria ótimo uma produção nacional de varetas, o que agregaria valor ao produto, captataria mais impostos, maiores investimentos em reflorestamento e maior controle de entrada e saída do produto. LPN
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