As idades
São Vicente foi oficialmente denominada em 1502, pelo famoso navegador florentino Américo Vespúcio, durante a expedição de Gonçalo Coelho. Outras versões dizem que essa primeira expedição colonizadora foi chefiada por André Gonçalves, porém todas elas tem em comum a presença de Américo Vespúcio como mestre navegador e reputado conhecedor dos lugares visitados e batizados por ele. Naquelas época eram os navegadores oferecerem seus conhecimentos e serviços aos monarcas europeus, independente de suas origens e nacionalidades. São Vicente – Tumiaru – já era desde alguns anos povoado por náufragos, degredados e aventureiros, possuía casas, de oficina naval, agricultura de subsistência e recursos de abastecimento de viajantes que passavam pela região.
Em 2002 completou 500 anos do seu descobrimento ou ocupação exploratória, dois anos depois do evento semelhante de Porto Seguro, realizado por Pedro Alvares Cabral. Em 1532 São Vicente foi elevada à Vila com a expedição do donatário da Capitania, o fidalgo Martim Afonso de Souza. Esse evento marcou a fundação e estabelecimento da primeira organização político administrativa do Brasil, com o marco oficial do governo de Portugal e uma câmara municipal. São Vicente torna-se então a base e modelo da colonização portuguesa na América e modelo para as todas as demais vilas que seriam fundadas pelos vicentinos e posteriormente por outros donatários. A fundação da vila completará 500 anos em 22 de janeiro de 2032.
Porto e estado
“ A nossa região foi descoberta em 1502, portanto dois anos após a descoberta do Brasil em 1500, por Pedro Álvares Cabral. Então, é essa expedição realmente que vai descobrir o litoral Brasileiro, desde aproximadamente onde hoje é o Rio Grande do Norte. E veio costeando todo o litoral com o objetivo de fazer um mapa, para que outros navios quando chegassem tivessem uma referência cartográfica. Eles vão aproximadamente até Cananéia e depois voltam. Essa expedição foi uma expedição de três caravelas, mandadas por D. Manoel, e foi chefiada por Gonçalo Coelho e o objetivo deles era conhecer essa tal terra de Santa Cruz, que era o nome que tinha naquela época. Para resumir, eles chegam aqui na nossa região, e descobrem o que acharam que era um rio. Então ele entraram e ancoraram onde hoje é, digamos, a Ponta da Praia, e eles deram o nome de Porto de São Vicente porque era dia de São Vicente. Com eles eram todos católicos, eles sempre davam aos pontos geográficos com o nome do santo do dia. Esse nome vai ter um enorme sucesso porque depois ficou Vila de São Vicente , Capitania de São Vicente e vai ser denominada São Vicente até o final do século XVII, quando então a passa a ser chamada de Capitania de São Paulo. Se não tivesse havido essa mudança, hoje provavelmente nós seríamos Estado de São Vicente. Os portugueses estavam apaixonados, admirados pelas riquezas das Índias, que tinham as especiarias, que era o grande objetivo comercial da época. Então eles emigraram para o Brasil. Esse é o período chamado “pré-colonização”. Mas os franceses começaram a percorrer o litoral e os portugueses, já na época de D. João III, perceberam que ele teriam que tomar uma decisão: ou eles ocupavam ou perderiam o Brasil para os franceses. Então eles tomam providências e vem a expedição de Martim Afonso de Souza, que sai de lá no final de 1531, percorre o litoral, foi uma viagem muito acidentada, cheias de problemas, e chegam aqui também em 22 de janeiro, mas de 1532. Já existia um povoado onde hoje é São Vicente. Esse povoado era um povoado de dez ou dozes casas. Isso está documentado. Eles viviam daquilo que se chamava de escambo. Porque aqui não tinha pau-brasil, não tinha ouro, não prata nem esmeraldas. Então não tinha como viver só de escambo, de vender água e limão. Eles precisavam criar uma fonte de riqueza. Naquela época a grande fonte de riqueza era o açúcar”.
Historiografia Vicentina
A história de São Vicente não é apenas a narrativa cartorial e cronológica de uma localidade geográfica. São Vicente é a mãe fisiológica e ideológica de todas as cidades brasileiras, que rompeu registros e limites, como uma célula que se dividiu e se multiplicou a partir de um típico núcleo marítimo-portuário da Europa do século XV. Contar toda a história de uma cidade de mais 500 anos é um trabalho que demandaria extensa pesquisa para reunir fontes e compor uma narrativa que ao mesmo tempo contemplasse a ciência histórica e a poética memorialista.
Quando o tema é grandioso e extenso, todos os historiadores agem com o devido respeito e cautela porque sabem da complexidade e da dificuldade para elaboração da síntese, que não é apenas um resumo vulgar e sim a essência desse tipo de narrativa científica.
E não foi por outro motivo que a maioria dos grandes eruditos que escreveram sobre a capitania vicentina se limitaram a dizer que produziram somente alguns fragmentos de memória, para que a tarefa fosse complementada posteriormente. Este trabalho não é diferente!
Reunimos aqui neste coletivo de historiadores e memorialistas alguns documentos que julgamos necessários e suficientes para essa conjuntura. Para tanto, como base norteadora, abrimos uma sequência cronológica ilustrada, para que as lacunas sejam futuramente preenchidas pelos nossos sucessores, assim como nos valemos do precioso trabalho dos que nos antecederam.
Escolhemos como percurso narrativo a cronologia dos portos e da civilização marítima que os portugueses criaram na Ilha de São Vicente e parte da área continental a partir dos acontecimentos da longínqua Revolução de Avis (1385) e que se expandiram nos séculos XV e XVI no Atlântico, Indico e Pacífico:
O Porto dos Escravos, do período pré-colonial;
O Porto do Açúcar e do Pau-Brasil, no período colonial;
O Porto do Café e das Ferrovias, durante o Império e da Primeira República;
E finalmente o Porto da Indústrias e das Rodovias, incluindo o rápido ciclo da bananicultura produzida na região até meados do século XX; e o atual maior exportador do mundo da indústria alimentícia de laranja, açúcar e café em grãos. No início do século XXI toda a região do litoral paulista e da extensa Bacia de Santos foi sacudida pela promessa dos negócios da produção petrolífera e já se articulava para viver um longo período de operações logísticas do Porto do Pré-Sal, interrompido com a crise política de 2016. Esses são os principais temas e narrativas norteadoras dessa historiografia, que influíram e influem em importantes eventos da vida regional e brasileira.
Torre
A Torre de Belém, antigamente Torre de São Vicente e ainda oficialmente Torre de São Vicente. Esse nome era considerado na mística católica e monárquica um nome de força para o ideal cruzadístico das navegações e sorte para os negócios marítimos. A Torre funciona como uma altar religioso e também um pórtico de abertura para os mares. Tendo o nome de São Vicente certamente inspirava a nomeação de pontos de ocupação e conquista marcantes daquele contexto. São Vicente também é nome de uma ilha Atlântica de Cabo Verde, também descoberta no dia de São Vicente (22 de Janeiro), mas de 1462, pelo navegador português Diogo Gomes. O prédio também ficou conhecido como Torre do Tombo, onde se guardou durante muitos século os documentos Arquivo Nacional de Portugal. Hoje tudo está guardado em instalações modernas e mais protegidas. Os Diários de Pero Lopes de Souza (a certidão de nascimento da Vila de São Vicente) foi encontrado nesses arquivos em 1839 pelo diplomata e historiador brasileiro Francisco Adolpho Varhagen.
“A Torre do Tombo é de uma das instituições mais antigas de Portugal. Desde a sua instalação numa das torres do castelo de Lisboa, ocorrida provavelmente no reinado de D. Fernando e seguramente desde 1378, data da primeira certidão conhecida, até 1755, prestou serviço como Arquivo do rei, dos seus vassalos, da administração do reino e das possessões ultramarinas, guardando também os documentos resultantes das relações com os outros reinos.
Além de servir a administração régia, com funções semelhantes às de um arquivo intermédio dos nossos dias, o serviço mais importante prestado pela Torre, foi o das certidões, solicitado pelos particulares e pelas instituições. Mediante autorização régia, facultou a consulta e mesmo o empréstimo de documentos, a alguns estudiosos, cujas obras foram depois impressas.
No século XVII, começou a ser organizado o Arquivo do Arquivo, surgindo os primeiros livros do seu registo, fizeram-se alguns índices.
No século XVIII, o crescente número de certidões solicitado à Torre do Tombo, onde avultam as pedidas pela Academia de História, fez aumentar o número dos seus oficiais. Neste século, no âmbito da descrição dos documentos, realizaram-se numerosos índices, indo ao encontro da necessidade de se conhecerem os documentos e de se criarem os instrumentos de pesquisa necessários à sua recuperação: este trabalho iniciou-se e decorreu, em boa parte, no edifício da torre do castelo: assim foram elaborados a maioria dos índices das Chancelarias régias (1715-1749), das Leis e Ordenações (1731), das Bulas (1732), dos moradores da Casa Real (entre 1713 e 1742), o inventário das Bulas, Breves e trasuntos pontifícios (1751-1753).
No dia 1 de Novembro de 1755, a torre ruiu durante o terramoto. A documentação foi recolhida dos escombros, e guardada, temporariamente, numa barraca de madeira, construída na Praça de Armas, após autorização do Marquês de Pombal, datada de 6 de Novembro. Em 26 e 27 de Agosto de 1757, foi transferida para uma parte do edifício do Mosteiro de São Bento da Saúde, da lado da Calçada da Estrela, ocupando as instalações designadas por Casa dos Bispos e compartimentos contíguos, que foram arrendados ao mosteiro. Houve então que proceder à sua instalação, e à sua organização: os maços da Casa da Coroa, foram organizados em colecção do Corpo Cronológico, e em colecção dos Fragmentos. Os oficiais do arquivo fizeram várias cópias de documentos, nomeadamente, a Reforma das Gavetas, a Reforma dos Forais Antigos, e a colecção de Cópias, tendo continuado o trabalho de descrição de documentos de que resultaram os índices do Corpo Cronológico (1764), os sumários e índices dos documentos das Gavetas (1765), os índices dos livros das Ementas (1765), os índice dos maços das Moradias e dos Ofícios da Casa Real (1767, 1770), o inventário dos documentos da Casa da Coroa (1776). Alguns destes instrumentos de descrição, podem ser ainda hoje consultados no Serviço de Referência”. DG Lab. Arquivo Nacional Torre do Tombo. Lisboa. Portugal
A história
São Vicente é uma das localidades mais citadas nos livros e artigos históricos sobre a formação do Brasil. É quase impossível falar da origem e raízes do nosso país sem se referir a ela. Quase nenhum escritor, artista ou sociólogo consegue expressar ou explicar a nossa brasilidade sem lembrar dos elementos culturais europeus, indígenas e africanos que se misturaram nessa ilha e depois se espalharam pelo Brasil afora. Mário de Andrade não diz exatamente onde foi esse encontro – se foi no Tumiaru ou em Cananéia – mas diz que já tinha gente branca vivendo no Brasil antes de Cabral e de Martim Afonso:
“No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci, a companheira pra sempre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da muiraquitã um tembetá. Sentiu que ia chorar. Chamou depressa os manos, se despediu das icamiabas e partiu”.
(…)
“Correndo correndo, légua e meia adiante deram com a casa onde morava o bacharel de Cananéia. O coroca estava na porta sentado e lia manuscritos profundos. Macunaíma falou pra ele:
– Como vai, bacharel?
– Menos mal, ignoto viajor.
– Tomando a fresca, não?
– C’est vrai, como dizem os franceses.
– Bem, té-logo bacharel, estou meio afobado…
E chisparam outra vez. Atravessaram os sambaquis do Caputera e do Morrete num respiro. Logo adiante havia um rancho teatin”.
Érico Veríssimo, o grande literato gaúcho, ao descrever o cenário paradisíaco e dar vida a Tibicuera, o seu personagem mítico, indígena e atemporal, chamou a experiência acontecida em São Vicente de “A madrugada do Brasil”. Uns falam dessa gênese vicentina e brasiliana com orgulho, outros apenas como reconhecimento científico óbvio; e outros reconhecem, porém escondem um certo quê de inveja e despeita por não aceitar que um lugar tão simples – como uma célula ou um casebre familiar rústico – pôde gerar descendentes tão diversos e lugares imensamente maiores do que a semente original do qual foram gerados. Ao tentar desconstruir a historicidade de São Vicente, minimizando os fatos e desprezando causas e efeitos, acabam chamando a atenção dos que querem saber mais e mais sobre o porto e a vila onde nasceu o Brasil.
São Vicente lembra o Éden e também o lugar de desterro onde o enigmático João Ramalho e suas mulheres nativas andavam nus, pecaram e formaram as primeiras gerações de mestiços ou mamelucos. Ainda hoje muitos não entendem por que ao passar por São Vicente (que tinha outros nomes), Martim Afonso não parou para anunciar sua chegada ao Brasil , se dirigindo para o extremo sul, tentando penetrar na Bacia do Prata. Só na volta decidiu fundar a vila e tomar as providências da sua função política. Todas as viagens da expansão marítima européia eram pautadas pelos negócios mercantilistas e repletas de estratégias de conquista e segredos sobre as descobertas e posses territoriais. A maioria dos navegadores, sempre acompanhados de auxiliares náuticos de prestígio, partiam das cidades litorâneas sem revelar seus destinos; e quando revelavam, logo desconfiava-se de que se tratava de um blefe para despistar os espiões espalhados por todos os portos europeus, a serviço de reis e grandes mercadores.
O objetivo de Martim Afonso era encontrar caminho para explorar ouro, prata e diamantes. Sua presença em São Vicente foi uma espécie de prêmio de consolação pelo fracasso na sua busca original, restando tomar posse oficial a um porto já existente, estabelecer o sistema de colonização e dar continuidade à sua prospecção de negócios aliados ao rei de Portugal. Tanto que foi embora poucos meses depois da chegada e nunca mais retornou ao Brasil. Nessa outra missão ele não fracassou.
As Primeiras Explorações
Em 1861, o Imperial Collegio Colégio Pedro II adotou como livro oficial para alunos dos 4º ano “Lições de História do Brazil”, de Joaquim Manoel de Macedo, professor de Chorographia e de História do Brasil.
As lições são seguidas de quadros sinóticos do conteúdo exposto.
Na terceira lição, com o título As Primeiras Explorações, aparecem os eventos vicentinos e afonsinos – entre 1501 e 1532 – e também seus personagens de destaque naquele contexto histórico: os monarcas, os navegadores e os degredados. O autor explica a conhecida polêmica sobre a dificuldade de identificar e nomear os chefes das expedições de 1501 e 1503, envolvendo principalmente as figuras de Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio (guia de várias expedições, ora a serviço da Espanha , ora de Portugal). E destaca a figura de João Ramalho como náufrago em 1512. A edição aqui citada é da Biblioteca do Senado.
Sua excelência o açúcar
O Engenho do governador e outros engenhos de São Vicente
O criado servia-nos peixe de escabeche.
Vovô continuou:
– Trinta anos depois de descoberto o Brasil, Martim Afonso de Sousa chegava ao porto de São Vicente, em São Paulo, com cinco navios. Trazia ele a nomeação de governador da nossa terra.
O rei de Portugal resolvera finalmente cuidar do Brasil.
Nos navios do governador havia tudo de que um país selvagem necessita para começar a civilizar-se. Havia o padre (chamava-se ele Gonçalo Monteiro), havia o juiz, os escrivães, etc. Havia soldados, armas para lutar contra as feras e contra os selvagens.
E mais ainda. Havia pedreiros, carpinteiros e material de construção para substituir a palhoça do índio pela casa à moda da Europa. Havia a galinha, a ovelha, a cabra e outros animais domésticos que os filhos da nova terra não tinham à sua mesa. Havia sementes de plantas civilizadas que nossa gente desconhecia completamente.
Havia instrumentos para a lavoura e cerca de quatrocentos homens que vinham dispostos a lavrar o solo.
Mas a cana de açúcar não fazia parte do carregamento dos cinco navios.
Naquele tempo o mundo civilizado começava a usar o açúcar. Martim Afonso de Sousa compreendeu a riqueza que a cana de açúcar seria num país como o Brasil, de imensas terras e de terras férteis (10).
E mandou buscar as mudas na ilha da Madeira. Essas mudas tiveram tão boa sorte que, logo no ano seguinte, os lavradores de São Vicente começaram os seus canaviais.
Já havia cana bastante para a fabricação do açúcar. O governador apressa-se então em erguer um engenho.
Era um engenho movido a água, no meio da ilha de São Vicente. E porque pertencia a Martim Afonso de Sousa, o povo imediatamente o apelidou de Engenho do Governador.
Martim Afonso seguiu para a India pouco tempo depois. Mas, antes de partir, organizou uma companhia da qual se fez sócio e a ela entregou o engenho. A companhia ficou conhecida pelo nome de Armadores do Trato. A moenda (11) passou a denominar-se Engenho dos Armadores.
Mais tarde, foi ela vendida ao alemão Erasmo Schetz e aos seus parentes. Daí por diante recebeu o apelido de Engenho de São Jorge dos Erasmos ou apenas de São Jorge.
Na mão dos Erasmos, a moenda prosperou prodigiosamente. Os donos enriqueceram e até se tornaram fidalgos. Os membros da família Schetz vivem hoje na Bélgica e são duques de Ursel.
– Valia a pena fabricar açúcar! exclamou Mariazinha.
– Valia, concordou Vovô. E justamente por isso outros lavradores se entusiasmaram e construíram os seus engenhos.
Os irmãos Adorno ergueram o Engenho São João, na própria ilha de São Vicente.
– Irmãos Adorno ? Quem eram eles ? perguntei. Vovô explicou:
– Três fidalgos genoveses que vieram nos navios de Martim Afonso de Sousa, com a intenção de enriquecer no Brasil.
Vários dos outros homens que o governador havia trazido de Portugal fundaram engenhos: o Engenho de Nossa Senhora da Apresentação, o de Santo Antônio, o de Madre de Deus e tantos e tantos outros.
(10) Fértil – que produz muito. (11) Moenda – engenho de moer.
Viriato Correia (Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho), jornalista, contista, romancista, teatrólogo e autor de crônicas históricas e livros infanto-juvenis, nasceu em 23 de janeiro de 1884, em Pirapemas, MA, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 10 de abril de 1967.
A civilização marítima e portuária
A civilização que os portugueses fundaram em São Vicente foi a cultura marítima milenar do Mediterrâneo, a mesma que eles herdaram dos fenícios que colonizaram a Península Ibérica há mais de dois mil anos. Herdaram o porto e as práticas das trocas nas quais o comércio de escravos ocupava o ponto alto das transações. O Porto de Lagos, o maior entreposto comercial do sul da Europa, especializado no tráfico de escravos, foi o grande modelo de expansão comercial dos portugueses. Ele foi reproduzido no Brasil logo após o descobrimento pelas expedições costeiras e implantado no Porto Tumiaru pelos primeiros degredados aqui deixados em 1502. O degredo era a atividade mais eficiente de prospecção e exploração dos novos territórios pois funcionava como motor das bases empreendedoras do império comercial português. A prática reduzia riscos e garantia o desenvolvimento econômico da operação portuária. Gonçalo da Costa, Cosme Fernandes, Antônio Rodrigues, Duarte Chaves, Francisco de Chaves e João Ramalho fizeram esse papel precursor da colonização. A unidade portuária era a verdadeira céllula mater da expansão marítima.
Seguindo o modelo de Lagos, a missão dos navegadores era encontrar um lugar geograficamente adequado para estacionar navios, plantar cana-de-açúcar nos arredores, aprisionar e vender escravos e trocar mercadorias necessárias e valiosas. Lagos tornou-se no século XV o maior centro da exploração marítima portuguesa. A famosa frota D. João I, que conquistou Ceuta em 1415, foi reunida no Porto de Lagos antes de partir para a África. O Infante Henrique Navegador viveu a maior parte da sua vida em Lagos e também foi dali que D. Sebastião partiu para nunca mais voltar na sua Cruzada contra Kasr El Kibir, no Marrocos, em 1578. Muito antes da ascensão de Lisboa, navios carregados de especiarias e mercadorias fluíam para Lagos, cujos marinheiros eram os principais entusiastas da captura de escravos africanos, vendidos e dispersos em toda a Europa, trazendo lucros altíssimos à monarquia e comerciantes de Portugal. O Porto da Mina, base portuguesa na costa africana, exportou mais de 35 mil escravos para o Novo Mundo. O Conde Francisco Ferreira dos Santos, naturalizado no Rio em 1808, foi considerado o maior traficante de escravos daquele período, exportando mais de 11 mil africanos escravizados para o Brasil, milhares deles desembarcados em Santos, no outro extremo da ilha de São Vicente. O Infante D. Henrique patrocinava e captava um quinto de toda a venda de escravos introduzidos por navios de sua bandeira. Em 1450 a demanda por escravos no Porto de Lagos era tão alta que os trazidos da Mauritânia davam lucros de até 700%. Foi por esse e muitos outros motivos comerciais que ao chegar ao Brasil, Martim Afonso tratou logo de expulsar os “donos” do Porto das Naus e tomar posse da próspera praça comercial que já existia no Tumiaru.
O porto era, como ainda é hoje, o termômetro dos negócios. É assim há séculos e continua sendo a atividade econômica mais importante do mundo, do litoral paulista e brasileiro.
O Brasil só se tornou Brasil por causa do Porto das Naus, ideia que foi levada pelos vicentinos para Cananéia, Laguna, São Francisco do Sul, Rio de Janeiro e muitas outras regiões do litoral brasileiro. Tanto as Entradas como as Bandeiras, nada mais eram do que um porto seco, uma interiorização e extensão do porto marítimo fora de Portugal. São Bernardo do Campo, Santo André e São Paulo continuaram sendo locais de abastecimento do porto vicentino, até que o núcleo dos Cubas ampliasse a base portuária vicentina no valongo da Vila de Santos, com autorização da governadora da Capitania, Ana Pimentel.
É por esse motivo que, em todas as épocas da vida portuária regional, encontramos gerações de vicentinos em meio aos negócios de Santos, Guarujá, Cubatão e São Sebastião. O comerciante Mansuetto Pierotti é um exemplo típico: nasceu em Barretos, veio para São Vicente ainda criança, estudou em escola pública e depois tornou-se um dos mais importantes fornecedores de navios no Porto de Santos; tão importante que se tornou até prefeito da cidade portuária de São Sebastião. Ele e seus amigos, vicentinos e santistas, celebraram essa irmandade portuária fundando em São Vicente o “Feitiço Futebol Clube” no ano 1950.
Muitos outros vicentinos, geralmente descendentes de europeus, se tornaram influentes comerciantes, profissionais liberais e burocratas aduaneiros, sobretudo na época do Porto do Café. Sem esquecer-se dos milhares de estivadores e carregadores de sacas, a grande maioria descendentes de índios e africanos, que deixavam diariamente os subúrbios vicentinos para transitar durantes décadas entre os navios e armazéns do cais. Não era diferente no Porto do Açúcar e nem foi diferente no período do Porto das Indústrias. A Vila de São Vicente e o velho Porto das Naus nunca deixaram de povoar as lembranças do passado e os sonhos de futuro dos trabalhadores do porto.
O porto do escravos
São Vicente respira história há cinco séculos. Pouco tempo para os habitantes de outros continentes, porém um tempo intenso na experiência dos povos que construíram o Novo Mundo. História dos nativos e dos degredados europeus que aqui chegaram nos anos seguintes ao descobrimento; história da primeira vila fundada em 1532 e das demais que lhe seguiram o modelo colonial, como por exemplo, Santos, São Paulo, Cuiabá, Laguna e Rio de Janeiro (todas fundadas por vicentinos); história das Entradas e Bandeiras Vicentinas, da Capitania, da Província e Estado de São Paulo; uma parte importante da história da metrópole mercantilista portuguesa e finalmente a história do Brasil nas suas três idades políticas.
O nome oficial São Vicente foi dado em 1502 pelo navegador Américo Vespúcio, a serviço de D. Manuel I, durante a expedição de Gonçalo Coelho, que seguiu a tradição católica do santo do dia (22 de janeiro), substituindo as identidades já conhecidas pelos antigos moradores e visitantes marítimos. Nessa expedição estava a bordo Cosme Fernandes (o Bacharel), degredado que foi deixado em Cananéia e que depois viria a São Vicente para empreender seus negócios.
Adolpho Varnhagen afirma categórica e documentalmente convicto que o chefe da expedição de 1502 era André Gonçalves e que o célebre navegador Américo Vespúcio, “com o calendário na mão, foi sucessivamente batizando as diferentes paragens da costa, designando à posteridade o dia em que a elas aportava, do seguinte modo:
a 28 de agôsto no cabo de Santo Agostinho,
a 29 de setembro no rio de São Miguel,
a 30 de setembro’ no rio de São Jerônimo,
a 4 de outubro no rio de São Francisco,
a 21 de outubro no rio das Virgens,
a 1.° de novembro na baía de Todos os Santos,
a 13 de dezembro, no rio de Santa Luzia,
a 21 de dezembro no cabo de São Thomé,
a 25 de dezembro na baía do Salvador, a 1.° de janeiro no rio de Janeiro,
a 6 de janeiro na angra dos Reis,
a 20 de janeiro na ilha de São Sebastião,
a 22 de janeiro no pôrto de São Vicente”.
A expressão Primeira Cidade do Brasil, atribuída a São Vicente, virou conceito histórico popular e ganhou múltiplos usos entre artistas e intelectuais, com as três marcas etnológicas do seu povo: tumiaru (indígena); vicentina (ibérica) e calunga (africana).
Nenhum arraial, lavoura, engenho, igreja, porto, estrada e serviços domésticos existiriam se não houvesse o trabalho escravo dos índios e negros; os primeiros, capturados e comercializados pelos mamelucos nas matas, e os outros, seqüestrados na África e mantidos no Brasil sob a vigilância severa e violenta dos feitores e capitães de mato.
Não se sabe se eram apenas escravos indígenas ou se também já havia em São Vicente escravos africanos, pois o entreposto vicentino era amplamente conhecido entre os traficantes e navegadores da época. Era muito comum encontrar jovens indígenas seqüestradas no Brasil e nos Andes sendo exploradas como mercadorias exóticas nos bordéis de cidades do litoral da França neste e em outros períodos. Tanto a captura e oferta de índios como de africanos era possível e habitual nas rotas marítimas e portos da América do sul, central e do norte. Francisco Adolfo Varnhagem – historiador e pesquisador dos arquivos coloniais em Portugal – relata que em 1531 Martim Afonso de Souza desembarcou na Bahia alguns escravizados encontrados na Caravela Santa Maria do Cabo. A caravela havia sido aprisionada e incorporada à sua esquadra. Uma parte desse mesmo lote de africanos foi trazida para São Vicente, em 20 de janeiro de 1532, para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar e no chamado Engenho do Governador. Varnhagem informa também que, em 1535, o donatário Duarte Coelho importou para os engenhos de Pernambuco os primeiros escravizados negros, quando de sua chegada.
O porto das baleias e o porto “piaçaguera”
Os negócios iniciados pelos degredados no Porto Tumiaru (futura Vila de São Vicente) no final do século XV foram se espalhando a partir de 1532 na medida em que os portugueses foram ocupando as sesmarias criadas e doadas pelo Donatário Martim Afonso de Souza e depois pela sua esposa e procuradora Ana Pimentel. Essa ocupação se deu simultaneamente nas décadas seguintes na direção do litoral norte, com a fundação do Porto das Baleias em Bertioga; e na direção sul do litoral com o Porto de Cananéia.
Ao norte os vicentinos tiveram como obstáculo e também forte estímulo a resistência das tribos indígenas, que guerreavam entre si e também quando se confederavam contra a invasão europeia. Os ataques eram constantes, desencadeando combates ferozes bem como as ações diplomáticas de João Ramalho – para preservar e ampliar o comércio – e dos jesuítas, visando também a ampliação do seu império teológico. Assim nasceu o vicentino Porto de São Sebastião (que seria séculos mais tarde governada pelo comerciante portuário e calunga Mansueto Pierotti), a cidade de Ubatuba (território resistente dos tamoios) e também seria fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro pelo também vicentino Estácio de Sá e a família de Diogo Braga, partindo a expedição do Forte de São João da Bertioga. Na mesma Bertioga, no século XVIII o empreendedorismo vicentino criou a primeira indústria marítima de caça e produção de óleo de baleia, responsável pela massa utilizada na construção civil e principalmente na iluminação pública na ruas e casas de São Sebastião, Santos, São Vicente, São Paulo e também do Rio de Janeiro.
Ao sul, os vicentinos e negociantes de Cananéia desvendariam o famoso e cobiçado caminho indígena do Peabiru ( de uso proibido pelo governo português, pela evasão fiscal) e fundariam núcleos que futuramente se tornariam o Porto de Paranaguá (na época pertencente à capitania de São Paulo) e os portos catarinenses de Laguna, São Francisco do Sul e Itajaí.
Entre o norte e o sul, a Célula Matter vicentina – dirigindo-se ao planalto de Piratininga pelo Caminho do Mar, sempre pela ação diplomática de João Ramalho e posteriormente dos jesuítas – criou em Cubatão o Porto do rio Perequê-Mogi e depois o Porto do Rio Cubatão, que foram os primeiros pontos geográficos de acesso à Serra do Mar , à Borda do Campo e ao Planalto Paulista. Ali, pelo do Caminho do Padre José, Calçada do Lorena e depois da Estrada da Maioridade (ligada à Estrada do Vergueiro), realizava-se um intenso tráfego de cargas de mercadorias de Santos para São Paulo e interior; e também, no sentido contrário, imensas levas de índios aprisionados e escravizados para serem vendidos na Europa. O ponto próximo à serra – chamado pelos índios de Piaçaguera (Porto Velho na língua tupy) – foi denominado por João Ramalho de Porto das Amadias e depois rebatizado por Martim Afonso como Porto de Santa Cruz. Mesmo no período de declínio de São Vicente e crise a portuária de Santos nos século XVII e XVIII, o Porto Geral do Cubatão (com alfândega), as trilhas do Caminho do Mar e trechos fluviais até a Ilha de São Vicente eram muito utilizadas no escoamento de produção de açúcar de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí, incluindo cargas de ouro e diamantes vinda do sul de Minas.
O território vicentino, que se estendia além da ilha de São Vicente na direção do litoral sul e também da Serra do Mar, lutava com todas as suas forças para sobreviver como domínio político e econômico. Porém, é nesse período que começa a ser retalhado pelos interesses do comércio santista e também dos negócios crescentes no Planalto Paulista. Em 22 de agosto de 1803, a Câmara Municipal de São Vicente publicava um edital convocando famílias de Iguape a povoar Cubatão, por ordem do governador Franca e Horta. Entre as famílias migradas estavam as de Manuel Antônio Machado, Manuel do Conde Paes, Manuel Espínola Bitencourt, Manuel Corrêa de Melo e Antônio Raposo, que entre esposas e filhos, somavam 33 pessoas. Essas tentativas de incrementar os negócios vicentinos e revitalização da Capitania de São Vicente provocaram temor e uma forte reação dos comerciantes santistas, que, através de pressões políticas, conseguiram mudar os rumos do renascimento afonsino:
“A 17 de abril de 1833, dado o número ainda reduzido de habitantes na região, o Senado aprovou a proposta para a “fundação de uma povoação” em Cubatão. Assim, pela Lei nº.24, de 12 agosto de 1833, a Regência, em nome do Imperador D. Pedro II, determinou que na “Fazenda Nacional do Cubatão de Santos” fosse separado um terreno de meia légua em quadra para a fundação de uma povoação. Essa tentativa de aumentar a população, contudo, não obteve sucesso. Como resultado, a Lei Provincial nº.167, de 1 de março de 1841, incorporou a pequena povoação de Cubatão à cidade de Santos” – José Costa Silva Sobrinho, Romagem pela terra dos Andradas, 1957
O porto do Pau-Brasil e do açúcar
Intimamente ligada ao contexto da fundação do Brasil, a história de São Vicente teve períodos bem distintos desde a sua origem mais remota no início do século XVI.
Primeiramente serviu de base para a ocupação e expansão territorial entre o litoral e o interior, assistindo o povoamento e as primeiras explorações de riquezas como o pau-brasil, a cana de açúcar e a mineração.
Num segundo momento, não mais como capitania hereditária e colônia portuguesa, até chegar ao século XIX, São Vicente passa por um longo período de declínio. A vila-mãe, isolada e esquecida pela Corte imperial, testemunha a formação do Estado Nacional, com a definição de um novo mapa político-territorial. Nessa fase acontece a expansão cafeeira na então Província de São Paulo, da qual ainda fazia parte o atual estado do Paraná.
E finalmente o terceiro período, o século XX do Brasil republicano, na qual São Paulo se expande novamente para o interior, por força das ferrovias, derrubando matas, abrindo fazendas e fundando inúmeros patrimônios e municípios.
Há que se lembrar que nesses três períodos a presença portuguesa foi marcante na vida vicentina, sobretudo nos momentos em que a vila passa por fases difíceis. Enquanto alguns dos seus moradores nativos se conformaram ou se acomodaram às crises, muitos imigrantes, sobretudo os ibéricos de espírito empreendedor, passaram a enxergar nesses contextos oportunidades de superação. Econômicos e modestos, eles buscavam na simplicidade urbana vicentina preços mais módicos para suas despesas pessoais e início dos futuros negócios na região. Naturalmente, sempre inquietos e afeitos à liderança, logo se envolviam nas questões sociais, assumindo responsabilidades políticas e comunitárias.
Outro detalhe importante dessa trajetória e que não poderíamos deixar de relatar na cronologia e na memória vicentina contemporânea. No final do século XIX, mais da metade do território paulista ainda era despovoado. O Oeste civilizado ia somente até a Serra de Botucatu. Dali em diante a vida ainda era selvagem. “Sertão distante”, como diziam os antigos vicentinos. Esse cenário só iria mudar nas primeiras décadas do século XX, quando o governador Jorge Tibiriçá, alinhado com a expansão ferroviária, ordenou e concluíram as medidas políticas de ocupação daquele vasto território que terminava nas margens do rio Paraná, divisa com o então único estado de Mato Grosso. Essa ocupação, por meio da empresa colonizadora Diederichsen-Tibiriçá – mais tarde Companhia de Viação São Paulo – Mato Grosso – se deu nos mesmos moldes da expansão vicentina dos tempos coloniais. Um dos sócios da CVSPMG era o comerciante santista Frederico Ernesto de Aguiar Whitaker Júnior. E tal feito foi obra de dois exploradores paulistas: o capitão Francisco Whitaker e o coronel Paulino Carlos Botelho, ambos descendentes de famílias da antiga capitania, estabelecidas em Santos e no Alto Tietê. Eles chefiaram uma derradeira “bandeira vicentina”, navegando em batelões pelos os rios Tietê e Paraná e se tornaram os fundadores do Porto Tibiriçá, em 1907. Esta foi, nesses moldes, a última localidade a ser fundada no estado. Estes, sim, foram os últimos bandeirantes, salvo os descendentes de João Ramalho e Bartira, que rumaram em franca aventura para as terras do Centro-Oeste e Norte entre anos 1950 a 1970; ou os irmãos Aurelli, sertanistas vicentinos criados no Catiapoã e que foram precursores dos também famosos irmãos Vilas Boas.
O porto do café e das ferrovias
O Porto Regional de Santos, de propriedade da União, foi o grande termômetro do mercado cafeeiro e testemunha das transformações ocorridas no Brasil em função dessa importante atividade agroexportadora. Economicamente o café atraiu investimentos europeus, provoca a imigração em massa e estrutura diversos segmentos ligados ao negócio. Na primeira metade do século XIX o café estimula o tráfico de escravos e a formação da malha fundiária monocultora na região sudeste, primeiro no Rio de Janeiros depois no Vale do Paraíba e Sul de Minas. A partir de 1850, com a proibição do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, a mão-de-obra escrava na lavoura cafeeira é alimentada pelo comércio interno, vinda principalmente das antigas regiões açucareiras do nordeste. O escoamento da produção passa a ser feito pela instalação da malha ferroviária ligando as fazendas do interior paulista ao Porto de Santos. Além do suporte de produção e exportação, as ferrovias são responsáveis pela fundação de inúmeras cidades-estações ou patrimônios dessas companhias de transporte de cargas e passageiros. Quase todas as linhas férreas tinham o porto santista como destino final para depósito e embarque em gigantescos armazéns construídos e espalhados nas docas do lado norte da ilha de São Vicente. Os principais núcleo de negócios se concentravam na região portuária do Valongo, onde se instalaram dezenas de empresas comissárias ou intermediárias entre os produtores e os importadores. As comissárias ou corretoras eram formadas por um grupo de executivos formado de compradores, vendedores, degustadores, financiadores e transportadores. Esse staf era constantemente ampliado e alterado por executivos públicos da alfândega, coletoria e prefeitura, formando classes de poder econômico diferenciados, em Santos e também em São Vicente, onde residia uma aristocracia cafeeira composta sobretudo por europeus. Na Vila Betânia ou Vila dos Estrangeiros havia uma linha exclusiva de bonde para funcionários do porto. O apogeu dessa atividade comercial foi a construção da Bolsa do Café em 1922, marco de afirmação política e econômica de São Paulo como estado líder da nação. Era o início do declínio cafeeiro, cuja culminância se daria com a crise de 1929. Em 1960 a bolsa já havia perdido a sua função comercial e em 1986 o governo do estado decretou a sua extinção.
O porto das bananas
No início do período republicano veio para o Brasil um grupo de imigrantes portugueses provenientes das áreas rurais da Europa e também das ilhas atlânticas portuguesas: Açores e Madeira. Eram agricultores acostumados a lidar com a terra em lugares e condições difíceis de plantio e comercialização dos seus produtos. No Brasil eles descobriram que as condições climáticas e a abundância de terras tornava a agricultura um negócio rentável e lucrativo, sobretudo nas áreas próximas aos portos onde era possível exportar a produção. Eles lideraram na baixada santista a bananicultura, lavoura de fácil adaptação ao solo tropical e de crescente demanda no países temperados da América do Norte e da Europa. Argentina e Uruguai também estavam na lista de grandes importadores da banana brasileira. Toda extensão noroeste da Ilha de São Vicente, incluindo os morros, bem como as áreas continentais do Guarujá e Cubatão, foi ocupada pela banicultura na primeira metade do século XX. O apogeu dessa atividade agrícola se deu entre 1905 e 1911, na qual os especialistas identificaram em documentos aduaneiros um alto volume de exportações nessa época. Foi calculado que nesse curto período de seis anos a região produzia todo esse volume exportador em cerca de 3 milhões de pés de bananeiras. Cerca de 60% dessa produção era garantida pelos bananais da comerciante espanhola Aurea Conde , espalhados no Guarujá, Cubatão e no litoral Sul, em Praia Grande, Mongaguá, Agenor de Campos e Itanhaém. Aurea foi a maior exportadora do Brasil e uma das fundadoras da Cooperativa Geral de bananicultores dos Estado de São Paulo.
Em São Vicente a bananicultura também teve o seu apogeu a partir de 1913 com a chegada do imigrante Antônio Luiz Barreiros, que se instalou com sua família no Japuí e iniciou ali o plantio das primeiras mudas do ciclo vicentino contemporâneo. A propriedade não comportava a demanda exportadora e o agricultor teve que arrendar e fazer parcerias com outros proprietários para ampliar as áreas de plantio, como foi o caso do Curtume Cardamone e do Parque Balneário Hotel de Santos ( na época do Santos Futebol Clube), que possuíam extensas áreas na vizinhança. Depois da rápida colheita , toda a produção era colocada em caminhões e levada em comboio até o porto de Santos, no mesmo que dia que o navio que transportaria a carga entrava na barra. Não havia condições de arcar com os custos de armazenamento e estufa nas docas. A operação de carregamento era feita pelos familiares e sócios arrendatários em forma de mutirão, tudo muito rápido, para que não houvesse nenhum contratempo que pudesse comprometer financeiramente a permanência do navio no cais, que era e ainda é remunerada até hoje. O porto e seus terminais não passam de um grande estacionamento de navios cujos terminais cobram pelos serviços da estiva, embarque e desembarque, daí a pressa na velocidade da entrega das bananas. As cargas provenientes do Vale do Ribeira, Cubatão e do Itapema também eram entregues diretamente nos navios por meio trens da Santos-Juquiá (Sorocabana) ou por meio de barcaças que trafegavam no canal do porto. Nas fazendas do litoral sul a produção era transportada até vagões através dos tróleys, mini-locomotivas e trilhos instalados nas propriedades. No caso de Aurea Conde, a empresária todos os tipos de transportes disponíveis, incluindo dois navios cargueiros próprios.
Passando essa fase primeira fase áurea de alta demanda, nas décadas seguintes as exportações de banana foram entrando em declínio e também foram acontecendo transformações produtivas e logísticas no mercado internacional e regional. Na década de 1970, como aconteceu no ciclo do açúcar, os exportadores estrangeiros mudaram a rota comercial da banana para encurtar distâncias e aumentar os lucros. Compraram grande áreas produtivas na América Central e dali passaram a controlar mercado da América do Norte e da Europa. Também estavam próximos ao Canal do Panamá, o que facilitou o acesso aos mercados do Oceano Pacífico, incluindo as grandes cidades americanas da Califórnia e Oeste dos Estados Unidos.
Na Baixada Santista, nesse mesmo período, ocorre um um crescimento demográfico em função do polo industrial de Cubatão e do aceleramento da construção civil nas orlas de Santos, São Vicente e Guarujá. Isso resultaria na valorização das áreas de plantio próximas ao porto – também em franca expansão – bem como a demanda de terrenos para loteamentos, encarecendo os arrendamentos de plantio. A partir dessas mudanças as lavouras de bananas foram sendo transferidas para regiões mais distantes, sobretudo do litoral sul Mongaguá, Itanhaém, Itariri e Pedro de Toledo, que passaram a utilizar o transporte ferroviário e rodoviário para agilizar a distribuição do produto.
O porto das indústrias, rodovias e do agronegócio
As décadas de 1950 e 1960 marcaram a industrialização e modernização gradual do porto. Essa mudança significou principalmente a acentuação do seu aspecto regional com o desenvolvimento da chamada Margem Esquerda, em função da instalação do polo petroquímico de Cubatão. Ali ocorre a instalação da Refinaria Presidente Bernardes e da Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA duas estatais de grande porte e base de atração de dezenas de unidades fabris espalhadas ao longo da antiga rodovia Piaçaguera. A Usina Hidrelétrica de Itatinga faz parte desse complexo industrial-portuário que seria extendido definitivamente nas duas décadas seguintes ao município do Guarujá.
Em Vicente de Carvalho, a margem esquerda do porto receberia os terminais de exportação de suco concentrado de laranja, produto cuja demanda internacional desbancou o café e roubou da margem direita mais de 35% da movimentação de geral de cargas. É impossível visualizar o porto sem considerar a expansão da área aduaneira do Guarujá e da sua infra-estrutura de segurança e logística representação pela rodovia Cônego Domênico Rangoni (parte do complexo Anchieta-Imigrantes e o Aéroporto da Base Aérea de Vicente de Carvalho.
Tudo era São Vicente, hoje é Santos
Quando se fala sobre o litoral paulista, sobretudo na Capital e no interior, quase ninguém conhece as diversas cidades da Baixada Santista, cada uma com as suas características, particularidades, problemas e vocações. Antes era tudo São Vicente. Hoje tudo é Santos.
Santos, a cidade mais rica da região, está com a população estagnada desde a década de 1970, segundo informação recente do jornal A Tribuna (janeiro de 2015). Impedida de ocupar espaços urbanos mais simples, a população de baixa renda santista migrou para cidades vizinhas e junto com ela migraram o comércio e os serviços populares. Os morros, cortiços e favelas ainda abrigam muitas famílias santistas carentes. São Vicente, Guarujá, Praia Grande e cidades do litoral sul, apesar de terem poucas áreas de classe média e classe alta, cresceram nas periferias e continuam sendo a opção viável de moradia para as classes baixas da região.
São Vicente caminha para se tornar o maior centro comercial da área insular e muitas empresas de serviços buscam o município por causa da localização e dos baixos custos de instalação e funcionamento. A área continental vicentina também cresce de forma impulsiva. Santos se verticaliza cada vez mais para atender a especulação imobiliária, porém isso preocupa muito alguns setores que dependem da mão-de-obra barata e do consumo das classes populares e médias.
O porto federal e regional de Santos, a cuja história São Vicente e todas as cidades da região se vincularam economicamente, também foi testemunha de todas essas transformações. Ele foi a ferramenta principal de desenvolvimento da região sudeste, mudando e renovando economicamente a antiga cultura vicentina e paulista. Este foi também o período da industrialização no eixo Capital, região do ABCD, Cubatão e grandes cidades do interior. Nessa segunda metade do século XX, São Vicente passou a compor a Baixada Santista (com mais sete municípios), experimenta o declínio ferroviário e ao mesmo tempo a ascensão gradual das rodovias, criadas para atender principalmente os negócios aduaneiros.
São Vicente viveu nesses diferentes tempos, juntamente com suas filhas vizinhas, os grandes ciclos econômicos do Brasil e de São Paulo: o porto dos escravos, com os degredados e aventureiros europeus do período pré-colonial; o porto do açúcar, com os engenhos no período afonsino e os herdeiros de Ana Pimentel; O porto do café, com as fazendas escravagistas e exportadoras do Império; o porto da indústria e do agronegócio, na república do século XX. E agora, provavelmente, o porto do pré-sal, no século XXI, contexto no qual toda a Baixada vislumbra a possibilidade de uma nova economia que se organiza na chamada Bacia Petrolífera de Santos.
O porto do pré-sal
Planejado para servir de suporte e participante ativo na exploração dos recursos petrolíferos encontrados recentemente na Bacia de Santos, o novo porto e o sistema de extração do pré-sal rapidamente se tornou alvo de especulação e interesses internacionais na construção de parcerias e formação de consórcios empresariais.
Apesar de ser uma fonte de energia não limpa e de risco ambiental, o pré-sal faz parte de uma geopolítica ainda vigente entre as potências mundiais industrializadas e que entraram no jogo de concorrências e licitações públicas comandadas pelo governo federal.
As negociações tiveram início durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira), de tendência neoliberal e privatizante, altamente influenciado pelo contexto inicial da globalização e das crises internacionais das bolsas de valores; avançaram nos dois governos de Luiz Ignácio Lula da Silva (PT-Partido dos Trabalhadores), de tendência nacionalista e estatizante, na qual a Petrobrás se torna ao mesmo tempo o centro de controle e projeção do pré-sal e também alvo de intensa corrupção por meio de empresas e operadores dos partidos aliados ao PT e ataques de oposição liberal e conservadora visando a retomada do poder perdido há mais de 15 anos; e finalmente explodiu como crise politica no governo da presidenta Dilma Roussef (PT), sucessora de Lula e que recebeu a maior carga de oposição e ataques, culminado no seu impeachment em 31 de agosto de 2016.
Esse confronto político, que teve o dedo dos interesses internacionais, sobretudo dos EUA e da China, se desdobraria no tardio escândalo do petrolão (já denunciado, abafado e explorado eleitoralmente em décadas anteriores), na midiática operação lavajato , nas prisões de políticos, empresários e operadores partidários dentro da Petrobrás e finalmente na prisão da ex-presidente Lula, acusado de ser mandante de todo o esquema de corrupção. Essa prisão de Lula coincidiu com a sucessão eleitoral do presidente Michel Temer (PMDB e vice de Dilma Roussef) e levantou-se a suspeita de que todos esse acontecimentos faziam parte de uma conspiração judiciária alimentada por promessas de auxílio e influência internacional, cargos governamentais e vitalícios no Poder Judiciário. Na época o presidente Lula era o candidato mais bem cotado nas pesquisas e sua prisão, segundo sua defesa e novas teses revisionistas, teria tido a finalidade de afastá-lo a qualquer preço da disputa, pois representava um interesse oposto aos grupos que pretendiam ter o controle do pré-sal, do programa espacial brasileiro em Alcântara (MA) e também do programa nuclear em Angra dos Reis (RJ).
Euforia, aborto de projetos e prejuízos sociais
Todos esse acontecimentos ocorridos num curto período de 20 anos e cujo ápice se deu entre 2016 e 2020, paralisaram todos os investimentos na Bacia de Santos, bem como em outros territórios onde a Petrobrás atuava com parceiros e fornecedores, causando prejuízos da ordem de R$ 172,2 bilhões, perda de 4,4 milhões de empregos e descontrole da inflação, por causa do crescente desequilibro dos preços do gás, gasolina e diesel, combustíveis de transportes, principais reguladores da economia (dados e projeções do DIEESE).
Na Baixada Santista, a crise abortou a expansão do Centro Administrativo da Petrobrás do Valongo, previsto inicialmente com três edifícios; a instalação de estaleiros de fabricação e manutenção de plataformas e navios, na barra do Guarujá; os aeroportos civis e de cargas em Vicente de Carvalho e Mongaguá; a construção do complexo logístico-industrial-portuário de Peruíbe (porto flutuante para navios de grande porte, 60 fábricas, rodovia e ferrovia novas ligando Itanhaém e a Capital). Santos e as cidades da região tornaram-se euforicamente um canteiro de obras de construção civil e de infra-estrutura.
Nesse último período registrou-se em função do pré-sal uma grande inquietação no mercado imobiliário com a construção de milhares de unidades residenciais em todas as cidades do litoral e principalmente a construção desses edifícios de salas comerciais e de hotelaria na ilha de São Vicente.
O porto do Pré-sal teve que ser adiado.
A política e a emancipação das cidades
A história do Brasil e da suas regiões sempre foi marcada pelas lutas políticas entre o poder centralizador, impondo e mantendo o controle e o monopólio; e a reação do poder localista, reivindicando novos espaços e a autonomia das vilas, distritos e municípios.
No período colonial as capitanias hereditárias representavam de um lado a liberdade autônoma para o desenvolvimento dos negócios ultramarinos. As vilas e câmaras municipais representavam o localismo e, por outro lado, a instalação do Governo Geral passou a representar a intervenção pode poder central metropolitano. O pioneirismo vicentino logo foi desbancado pela fundação de novas vilas, sobretudo no Planalto de Piratininga, que passou a o ser o centro político regional e não mais da colônia.
No período imperial esse jogo foi representado pelo localismo das províncias (câmaras municipais e assembleias legislativas) e pelo centralismo da monarquia imperial na Corte. Esse braço de autoridade chegava até as localidades por meio da Guarda Nacional (sob domínio da aristocracia rural escravagista) e suas patentes militares, cargos públicos federais estratégicos e de controle. Por isso em algumas épocas vemos São Vicente e cidades da região governadas por coronéis, capitães e tenentes e outras patentes militares.
Na República o poder central é inicialmente apropriado pelas forças armadas e logo transferido, central e localmente, para os coronéis ou oligarquias do café, já em franca decadência. Esse cenário mudaria radicalmente com a Revolução de 1930, surgindo uma nova elite econômica que vai dar ao Estado uma orientação industrial, modificando totalmente os atores do jogo político. Assistimos nas primeiras décadas do século XX ao desmanche da estrutura oligárquica, o surgimento de uma nova economia e a fundação de incontáveis números de municípios junto aos patrimônios ou estações ferroviárias.
Foi assim que São Vicente foi aos poucos recuperando sua autonomia perdida no período colonial. Enquanto isso, Santos perdia em 1931 o domínio sobre Guarujá (a outra margem do porto) e Cubatão, pólo petroquímico e siderúrgico de interesse político mais amplo. Perderia também, nos anos 1980, o domínio sobre Bertioga. Mesmo o Porto de Santos, apesar da presença da iniciativa privada nos negócios aduaneiros, se mantém até hoje como território federal, controlado pela Alfândega, Forças Armadas e Polícia Federal.
São Vicente também perderia Mongaguá e Itanhaém, pela força dos negócios dos bananais e do turismo imobiliário. Não foi por outro motivo que o empresário paulistano Roberto Andraus foi eleito prefeito de São Vicente e depois deslocou seus interesses de negócios imobiliários, assim como tantos outros do mesmo ramo, para o bairro vicentino de Praia Grande. Ao construir a Cidade Ocian, Andraus já estava dando sinais de uma antiga luta pela autonomia de Praia Grande, conseguida no final dos anos 1960, agora sob influência do regime militar. Nessa mesma época, em 1968, assistimos a uma histórica briga entre o poder local, de vontade popular; e o poder central, representado pela ditadura: o deputado vicentino e morador santista Esmeraldo Tarquínio, crítico e combatente da autonomia praiagrandensse defendida por Andraus, foi eleito prefeito de Santos e impedido de tomar posse, pois seu mandato de deputado e direitos políticos haviam sido cassados pelo regime militar.
E finalmente, no início dos anos 2.000, com a ocupação demográfica explosiva e intensa especulação imobiliária, surgiu como tendência – até pelo crescimento do contingente eleitoral – a sonhada separação e autonomia dos bairros da Área Continental de São Vicente.
O veranismo e as novas áreas de povoamento
Regionalmente e nesse mesmo período dos últimos 100 anos, a antiga vila desfruta de uma particularidade que também marcaria a vida das cidades vizinhas: o empreendimento balneário. Submetida longamente ao domínio político de Santos (a filha mais velha), São Vicente encontra nesse costume turístico uma nova vocação econômica e faz dele um motivo para reaver sua autonomia e prosperidade.
No final do século XIX a cidade já era um refúgio de veranistas paulistanos e do interior, cujas famílias abastadas adquiriam chácaras e edificavam grandes casas de lazer e de residência fixa. A beleza natural e a tranqüilidade da orla vicentina também atraiam famílias ricas e de classe média que atuam em serviços públicos e nos negócios portuários e industriais da região. Essa característica de lugar belo e aprazível, tão bem retratada nas telas de Benedito Calixto, vai realçar São Vicente como estância natural e histórica, sem dever nada aos balneários já famosos da região sudeste.
Nas primeiras três décadas do século XX os bairros centrais e as praias de São Vicente são tomados por casarões de luxo e sobrados pequeno-burgueses. A partir de 1930 a orla passa a ter destaque como atração turística, despertando o interesse hoteleiro e gastronômico. É o início da ocupação vertical que vai avançar nas décadas seguintes e que dura até hoje. Essa ocupação fez desaparecer antigas edificações horizontais e surgir inúmeros edifícios de apartamentos na região central e nas praias do Gonzaguinha e do Itararé.
Entre 1950 e 1970 São Vicente chega a rivalizar com o Guarujá em prestígio e empreendimentos imobiliários para temporadas de verão, obrigando Santos a empreender enormes investimentos de ornamentação artificial de suas praias, “de areias duras e cinzentas”, no dizer de um famoso jornalista paulistano. Foi durante esse período de expansão do turismo balneário de massa que São Vicente perdeu seu domínio territorial sobre Praia Grande, que se tornaria a mais destacada cidade balneária popular do litoral, com destaque para o turismo religioso e a construção de dezenas de colônias de férias de sindicatos e associações de classe. Nesse mesmo período, o lado oposto da orla, antigas áreas de mangue, foi sendo invadido e posteriormente fatiado, aterrado e transformado em novas áreas residenciais de periferias. O mesmo ocorreu nas áreas divisórias com município de Santos, na chamada Zona Noroeste, a qual os vicentinos reclamam até hoje a ocupação indevida de suas terras pelo município santista.
Nas décadas de 1970 e 1980, São Vicente novamente perde seu brilho e status de estância de classe média alta e enfrenta um novo período de decadência. A cidade adere também ao turismo de massa com a construção de edifícios altos e unidades de imóveis baratos e com poucos metros quadros. Foram as décadas da explosão populacional de baixa renda, causada pela migração nordestina, atraída pela construção civil, a expansão do polo petroquímico de Cubatão, bem como a construção da primeira pista da rodovia dos Imigrantes. O crescimento de Praia Grande e a limitação de fluxo de veículos da Ponte Pênsil demandam a construção da ponte do Mar do Mar Pequeno, empreendimento que provocaria intensas mudanças nos municípios do litoral Sul. A ponte, ligada ao complexo Anchieta – Imigrantes e negócios de construtoras e incorporadoras paulistanas, foi responsável pelo crescimento acelerado do novo município vizinho. Ocorrem lá no continente e aqui na ilha, uma nova onda de ocupações de bairros periféricos nas áreas de mangue e uma intensa especulação imobiliária na orla, atingindo também Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe.
A nova ocupação continental vicentina
Ao passar por São Vicente, as extensões ou braços de acesso rodoviário ao complexo Anchieta – Imigrantes provocaram também duas importantes mudanças na estrutura urbana vicentina na década de 1980 e 1990: a ocupação acelerada da área continental, até então isolada e com baixíssimo contingente populacional; e na área insular a separação social centro-bairros periféricos.
No local onde haviam sido instalados os acampamentos das empreiteiras que construíram a ponte do Mar Pequeno, surgiu a antiga e então pequena favela México 70, que se estenderia até os bairros da Vila Margarida e do Bitaru, próximos ao centro da cidade.
Na área continental (na região dos rios Branco e Negro) e da antiga estação ferroviária Samaritá (hoje diversos bairros) são construídos dois complexos prisionais e uma unidade da Fundação Casa (então FEBEM.), para menores infratores. Ali também ocorre uma rápida e desordenada ocupação e formação de núcleos habitacionais, dando uma nova configuração urbana à periferia vicentina. Essa ocupação emergente e caótica forçou o desmembramento de grandes áreas para loteamentos e pressões para a construção de uma ligação rodoviária, feita ao lado da ponte ferroviária do Canal dos Barreiros. A ocupação prosseguiu de forma rápida e violenta, surgindo os bairros Jardim Irmã Dolores (e suas pequenas vilas) e, mais recentemente, também a chamada Fazendinha, ambos com alta densidade populacional de baixa renda. O mesmo fenômeno aconteceu nos morros e na periferia de Santos, do Guarujá (Vicente de Carvalho), nas cidades do litoral Norte e Sul. Essa grande movimentação demográfica é liderada pelos novos retirantes nordestinos, agora com apoio de laços de parentesco já estabelecidos no Sudeste. É uma espécie de retorno dos nossos ancestrais das bandeiras vicentinas que ocuparam os sertões nos século XVI e XVII, descritos por dois autores clássicos:
Segundo o que se colhe em preciosas páginas de Pedro Taques, foram numerosas as famílias de S. Paulo que, em contínuas migrações, procuraram aqueles rincões longínquos e acredita-se, aceitando o conceito de um historiógrafo perspicaz, que o «vale de S. Francisco já, aliás, muito povoado de paulistas e de seus descendentes desde o século XVII, tornou-se uma como colônia quase exclusiva deles». São naturais por isto que Bartolomeu Bueno, ao descobrir Goiás, visse, surpreendido, sinais evidentes de predecessores, anônimos pioneiros que ali tinham chegado, certo, pelo levante, transmontando a Serra do Paranã; e que ao se reabrir em 1697 o ciclo mais notável das pesquisas do ouro, nas agitadas e ruidosas vagas de imigrantes, que rolavam dos flancos orientais da Serra do Espinhaço ao talvegue do Rio das Velhas, passassem mais fortes talvez, talvez precedendo as demais do descobrimento das minas de Caeté, e sulcando-as de meio a meio, e avançando em direção contrária como um refluxo promanado do Norte, as turmas dos «baianos», termo que como o de «paulista» se tornara genérico no abranger os povoadores setentrionais. (Euclides da Cunha -Os Sertões- jagunços: colaterais prováveis dos paulistas)
Em síntese, temos hoje, quase na terceira década do século XXI, uma Grande São Vicente, que divide a ilha com Santos e se estende no continente, da Serra do Mar ao Planalto Paulista. A cidade continua mantendo suas antigas características e desafios de superação: não tem fonte suficiente de arrecadação, vive basicamente de impostos municipais; é uma cidade dormitório e de passagem viária, cuja população em sua maioria é formada por migrantes de outras regiões que atua como mão-de-obra de serviços, aqui e nos municípios vizinhos.
Os vicentinos de hoje, como antigamente, aventuram-se em outras regiões, em busca de prosperidade, como fizeram seus ancestrais que fundaram Santos, Itanhaém, Cubatão, Bertioga, São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá, Laguna e inúmeras cidades que não caberiam nessas poucas linhas. Recentemente deu à luz Praia Grande, um bairro fundado nas vizinhança dos Morros do Japuí, Xixová e Ponta do Itaipu e que se estendeu em franco crescimento até a divisa com Mongaguá. Praia Grande desponta como a nova metrópole do litoral, desmembrada da Céllula Mater e fundada há pouco mais de cinco décadas.
Ainda assim, o antigo Porto dos Escravos e a Vila colonial permanecem vivos como referência para os que precisam se reconhecer no passado, agir no presente e se projetarem para o futuro.
A certidão de nascimento de São Vicente
“Significativas ao correr da expedição affonsina já são as jornadas sertanistas de 1531 a 1533, demonstradas com a incursão de homens desembarcados no Rio de Janeiro, e a seguir, de franco aspecto militar, em Cananéia a caminho das minas do Paraguai e do Peru; ou ainda, sobre serra, buscando ao mando do capitão mór os campos de Piratininga; ou ao mando de Pero Lopes, pela rede fluvial do Prata e baixo Paraná, o Esteiro dos Carandins, ou por fim, de S. Vicente com a bandeira de Pero de Góes e Ruy Pinto, em socorro da bandeira de Pero Lobo já dizimada, parece, pelos carijós”.
Francisco Adolpho de Varhagen – Visconde Porto de Porto Seguro, 1939.
Ricardo Maranhão explica a importância do Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza e porque São Vicente foi escolhida para ser a primeira Vila oficial do Brasil. O documento escrito pelo irmão de Martim Afonso era confidencial e exclusivo da corôa portuguesa e foi encontrado na Torre do Tombo no século XIX, em Lisboa, pelo historiador brasileiro Adolpho Francisco de Varhagen, o qual recuperou e transformou numa edição histórica.
Primazia e titulação vicentina
Macunaíma e o bacharel em São Vicente
Mário de Andrade não diz exatamente onde foi esse encontro – se foi no Tumiaru ou em Cananéia – mas diz que já tinha gente branca vivendo no Brasil antes de Cabral e de Martim Afonso.
“No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci, a companheira pra sempre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da muiraquitã um tembetá. Sentiu que ia chorar. Chamou depressa os manos, se despediu das icamiabas e partiu”.
(…)
“Correndo correndo, légua e meia adiante deram com a casa onde morava o bacharel de Cananéia. O coroca estava na porta sentado e lia manuscritos profundos. Macunaíma falou pra ele:
– Como vai, bacharel?
– Menos mal, ignoto viajor.
– Tomando a fresca, não?
– C’est vrai, como dizem os franceses.
– Bem, té-logo bacharel, estou meio afobado…
E chisparam outra vez. Atravessaram os sambaquis do Caputera e do Morrete num respiro. Logo adiante havia um rancho teatino. Entraram e fecharam a porta bem”.
Ilustrações: Carlos Fabra; e Angelo Abu e Dan X (Macunaima em quadrinhos) Edições Peirópolis.
A primeira Canaã das Américas
A expulsão dos judeus de Portugal no final do século XV causou uma diáspora que resultaria na fundação da Primeira Canaã das Américas, que foi o povoado Tumiaru, futura Vila de São Vicente.
Antes da descoberta oficial do Brasil, já haviam judeus degredados e cristãos novos vivendo na futura vila vicentina, onde existiam estaleiros, oficinas, lavoura, criação de animais e algumas casas de alvenaria e pedras.
A expedição de André Gonçalves, em 1501, que tinha Américo Vespúcio na tripulação, é prova desse antecedente colonizador.
Até hoje não se sabe ao certo a identidade dos degredados, pois eram muitos discretos e temerosos, a fim de evitarem novas perseguições. João Ramalho era uma deles, porém não era nada discreto. Era sempre questionado e colocado sob suspeita ideológica quando os católicos do reino se sentiam ameaçados com sua liderança nos negócios. O Bacharel de Cananéia entra nessa lista.
Muitos judeus brasileiros fugiram para a América do Norte, notadamente os de Recife, por causa da Inquisição e de grupos da nobreza interessados em confiscar seus bens.
O Porto dos Escravos, como era também conhecido o Tumiaru, e o povoado de Cananéia (terra de cananeus), foram locais de acolhimento dos desterrados de Portugal e Espanha. Essa marca de Primeira Canaã dá a São Vicente uma antiguidade especial, além de ser a mãe de todas as vilas coloniais: era a Terra Prometida aos israelitas, após a queda e destruição romana de Jerusalém e a longa Diáspora; seria também um Oásis para os descendentes de Abraão e Hagar, os ismaelitas, que viriam compor também a a nova pátria americana.
Desde 1490: portugueses no Brasil
Por mais que Afonso Schmidt queira esconder-se na pele do simples ficcionista, sua última novela, O Enigma de João Ramalho, a começar do título, representa a colocação de um problema histórico. Primeiro lançamento do Clube do Livro neste ano, traz um prefácio do diretor da editora. Nesse prefácio, que habitualmente tem o título modesto de “nota explicativa”, Mário Graciotti explica que Schmidt “Não só apresenta uma tese arrojada e atraente, a de que os portugueses do século XV já teriam povoado, em 1490, antes mesmo de Colombo, as terras americanas, mas ainda nos recorda a remota e presente figura de João Ramalho.
Schmidt escreve a sua novela, por assim dizer, na “linha justa” do parecer de Theodoro Sampaio, aprovando a tese de João Mendes Júnior, quanto à origem judaica de Ramalho. O futuro alcaide-mór de Santo André e de São Paulo de Piratininga é apresentado como expulso de Portugal num grupo de marranos, ou excomungados, que são enviados para longe. A caravela portuguesa que os traz vem abandoná-los no litoral paulista. E começa então a posse da América pelos portugueses, embora degredados.
Graciotti, que há tempos vem investigando os primórdios da navegação portuguesa, tendo escrito primorosos capítulos sobre as caravelas, em seu livro de viagem a Portugal, recentemente premiado em Lisboa, apoia a tese de Schmidt. E pergunta: “Por que D. João II não ajudava Colombo, se Portugal tinha quase setenta anos de domínio do Atlântico e ardia na febre dos descobrimentos? A resposta estaria aqui, nas páginas do romancista, como esteve, outrora, no famoso testamento de João Ramalho: em 1490, portugueses já povoavam de quilhas e de homens os mares e as terras americanas”.
Enigma do nome – João Ramalho é enigma a partir do nome. Por que Ramalho, se conhecemos a sua procedência, como filho de João Velho Maldonado? Schmidt explica assim o novo nome: “Os da paróquia alcunharam-no de Ramalho ou Ramalhudo, numa alusão às barbas, bigodes e cabelos arrepiados”. Um apelido que lhe fora posto em Vouzela, sua vila natal, onde o futuro patriarca se casara com Catarina Fernandes.
Esse Ramalhudo estava destinado a varar mundo e deitar seus ramos além-mar, em terras desconhecidas. Deixaria Catarina no termo de Coimbra, chorando o desterro do marido, para casar-se no Planalto com uma princesa indígena, Bartira ou Potira, filha do rei Tibiriçá. E uma vez conquistada a nova terra, nela se manteria como um agente da política secreta de D. João II, a que se referem Jaime Cortesão e Pedro Calmon. Tornando-se genro do Rei, o marrano Ramalho assumia a posição de príncipe regente, como depois a história no-lo apresenta, em seu domínio fortificado de Santo André da Borda do Campo.
Pode parecer estranho que um degredado de origem judaica assumisse as funções, embora de maneira forçada, de representante secreto do monarca português nas terras virgens. Mas acontece que a política de D. João II, no tocante aos judeus, era mesmo ambivalente. Admitiu-os em Portugal e chegou a dar-lhes incumbências importantes, antes que se desencadeasse a perseguição religiosa que roubou ao País a glória de ter como seu filho o filósofo Espinosa. Não admira, pois, que atendendo aos interesses momentâneos do Reino, mandasse os marranos para fora, mas deles se utilizasse na distância.
Enigma da assinatura – As atas da Vila de Santo André da Borda do Campo, atas da Vereança, de que nos restam apenas “um rendilhado feito pelas traças”, deixam ver, entretanto, dezenove assinaturas de João Ramalho, figurando em todas elas o sinal-distintivo do kaf judaico. Alguns admitem que as assinaturas são apenas o nome dos vereadores, escritos pelo escrivão, mas Schmidt entende que há poucas possibilidades de haver escrivães disponíveis na vila, e propõe: “Segundo parece, quem escrevia seus nomes era João Ramalho. No entanto, o alcaide-mor, ao lançar a sua rubrica, riscava com pulso firme aquela ferradura deitada, com a abertura voltada para a esquerda. Era o kaf, a sua derradeira afirmação de judeu”.
O kaf, letra hebraica, equivale ao kapa grego e ao nosso k, hoje banido do alfabeto. Em reportagem anterior mostramos a importância que Horácio de Carvalho deu ao aparecimento dessa letra na assinatura de Ramalho, como sinal cabalístico, indicativo da posição do patriarca na Ciência Secreta Hebraica. Esse sinal era ao mesmo tempo um talismã, que dava poder e abria caminho à riqueza. Daí João Ramalho usá-lo na assinatura, como o auxílio secreto de que dispunha para enfrentar a terra nova e seus perigos, bem como a ambição e as ameaças constantes dos homens brancos que chegavam, cada vez em maior número.
Enigma de Schmidt – Diante desses enigmas, e de todos os que cercam a figura semi-lendária de João Ramalho, o escritor Afonso Schmidt se coloca também numa posição enigmática. Recusa-se a tomar uma decisão como historiador, limitando-se a dizer e a escrever que nada mais fez do que uma “novelazinha fantasiosa”. Mas, no posfácio que escreveu para a novela, recomenda aos interessados o exame do parecer de Theodoro Sampaio sobre o caso do kaf.
Schmidt não quer complicações. Evita provocar debates históricos. Lembra que escreveu muitas outras novelas do mesmo gênero, sem pretensões a firmar ou defender teses. Mas é evidente que a sua novela coloca novamente em foco o “Enigma de João Ramalho”, como se vê do próprio título do livro. O Patriarca de São Paulo – apontado também como o verdadeiro fundador da cidade, como o fez ainda agora o poeta Guilherme de Almeida, em crônica publicada no jornal O Estado de S. Paulo – continua, assim, a desafiar os investigadores e os estudiosos de nossos problemas históricos.
Brasil, o início
“O patriarca do Brasil”.
João Ramalho Ele já estava na praia, completamente indianizado, à moda tupiniquim, aguardando à chegada de Martim Afonso de Sousa em 1532. João Ramalho era casado com Bartira , filha do mais influente cacique da região, – Tibiriçá. Ele intermediou as alianças entre lusos e nativos. Provavelmente era um degredado que havia sido “lançado” em São Vicente por volta de 1508. Pode também, ter vindo na expedição de João Dias Solis [1515], ou na de Fernão de Magalhães [1519], segundo Cônego Pedro Terra. Afonso Schmidt romanceou o tema em “O Enigma de João Ramalho”. No livro, ele levanta a tese de que Ramalho era degredado , cripto-judeu perseguido pela inquisição. Tal suspeita é também referendada pelo historiador Teodoro Sampaio. Schmidt explica que “ramalho” era alcunha derivada de suas longas barbas, bigode e cabelos arrepiados. Seus pais tinham sobrenomes que incomodavam a inquisição: Maldonado e Belbode. Ele teria, segundo a tese do livro, chegado ao Brasil em 1490, numa das expedições secretas de D. João II. Já a monografia de Américo de Moura, sobre “Os povoadores do Campo de Piratininga”, afirma que João Ramalho casou-se em cerca de 1510, em Portugal com Catarina Fernandes. Moura sugere que Ramalho teria chegado antes de 1513. Martim Afonso nomeou João Ramalho “guarda-mor da borda do campo”, deu-lhe vasta sesmaria e o autorizou a barrar a passagem de qualquer português por ali sem autorização oficial de ir a busca do ouro. O primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza escreveu ao rei de Portugal sobre João Ramalho:
“Ele tem tantos filhos, netos e bisnetos que não ouso dizer a vossa alteza- É homem de mais de 70 anos, mas caminha nove léguas [ 54 km], antes de jantar. Não tem um só fio de cabelo branco na cabeça nem no rosto”.
Em 1542, como escreveu Frei Gaspar ao consultar o arquivo vicentino […] “foi intimado pela Câmara de São Vicente a recolher-se à vila”. Não obedeceu à intimação.. Foi, depois, em 1549-50?? , excomungado pelos jesuítas. Ulrich Schmidel, em 1553 afirmou que Ramalho é capaz de arregimentar cinco mil índios em um só dia, enquanto o rei de Portugal só ajuntaria dois mil. Seu vilarejo era perto da atual Santo André a cerca de 100km da costa. Dali ele dirigia o tráfico de escravos índios [ do qual foi pioneiro], do interior para o litoral. Era venerado, temido e respeitado pelos nativos. Em carta de 1553 Nóbrega escreveu: […]”João Ramalho de fato, tinha muitas mulheres e ele e seus filhos andam com as irmãs [de suas esposas] e têm filhos delas. […]. Entretanto, ainda em 1553, o padre Nóbrega escreveu outra carta ao núncio pedindo autorização para realizar a cerimônia cristã de casamento de Ramalho e Bartira. O jesuíta alega na carta que já escrevera pedindo notícias da esposa que Ramalho deixara em Portugal e não obtivera resposta supondo que ela deveria estar morta. Na verdade, Nóbrega precisava do aval de João Ramalho para seguir seus projetos e, revogou a excomunhão casando Bartira com o ilustre degredado. Em 1560, por ordem de Men de Sá, Ramalho transferiu-se de Santo André para São Paulo e, em 1562 atuou na defesa da cidadela de Piratininga. Em 1563 a Câmara reclamou de Ramalho “quanto a escassez de pólvora e dos paióis ” .Em 1564 recusou o cargo de vereador de São Paulo. Em 1568, segundo o jesuíta Baltasar Fernandes, estava entre os índios, “não querendo nada de nossa ajuda nem mistérios [sacramentos].” João Ramalho morreu em 1580, com quase 100 anos. Só para complicar ainda mais, o pesquisador Moreira de Figueiredo descobriu uma “Carta de privilégio” na Torre do Tombo, em Portugal, Chancelaria de D.João II, livro 20, folhas 27,verso 20, do ano de 1487, referindo-se a um “Joham Ramalho escudeiro criado da rainha mjnha senhora”. Tupi. (ResumosNetsaber. Resumo-101971)
A honrada e velha cidade nordestina
O escritor e cronista Humberto de Campos registrou no seu famoso Diário Secreto, publicado pós-mortem, a sua passagem pelo litoral paulista e uma rápida visita a São Vicente. Mesmo sendo uma breve passagem, nos brindou com uma descrição mística e respeitosa, como quem estivesse visitando ao mesmo tempo um lugar sagrado e outro mundano; reverencia o primeiro com algo eterno e que nunca vai se apagar da memória. Cortesia inesquecível de um mestre do jornalismo e da nossa literatura contemporânea. Registro da revista O Cruzeiro, de 1929.
Sábado, 14 de janeiro de 1929:
Às setes horas, com céu baixo e escuro, e chuviscos espaçados reclamando capa descemos o ascensor do Esplanada Hotel. À porta espera-nos três carros sólidos, carros de excursão, com o Dr. Queirós Barros., secretario da Viação, e o engenheiro-chefe das Brás hidráulicas de Santo Amaro. E os três automóveis, em fila, deixam São Paulo, indo, em um deles, o Presidente Pires Sexto, Queirós Barros e eu (…)
Aportamos , enfim, a ponto qualquer, onde outros automóveis nos aguardam. Estradas desfazendo-se em lama e lama desfazendo-se em água. Em caminho, uma parada, para um culto ao passado: uma visita à antiga Estrada do Vergueiro, caminho primitivo da Civilização, subindo a serra. Já aí, porém, temos notícia de que perdemos a parte pitoresca da festa: a neblina, levantada do mar, cobre a montanha toda e a baixada, de modo que não poderemos ver Santos e São Vicente, do alto da Serra do Cubatão!
O nevoeiro vai se tornando, na verdade, tão espesso que os carros parecem isolados numa viagem pelas nuvens. A um metro de distância não se vê nada. Cada um de nós dá ao outro a impressão de estar envolto em gaze, ou escondido num véu de noiva. A neblina parece compacta, sólida, palpável. Não uma evaporação impalpável. É um tecido que, quase, se pode romper com estrépito. E é no meio dela que chegamos à confortável moradia que a Light construiu para o seu diretor no alto do Cubatão, a 700 ou 800 metros de altura, e onde nos servem um almoço de príncipes que a poderosa empresa nos oferece.
E passamos a descer, rumo a Santos. A estrada de rodagem, imersa na névoa, é um punhal mergulhado num monte de linho. De vez em quando, e a cada curva, escuta-se uma buzina, que parece sair do mistério da neblina. Por mais de uma vez escapamos de rolar pelo abismo, indo de encontro às barras de ferro que separam a estrada e o precipício. Até que chegamos embaixo, e encontramos uma reta que corta um verde oceano de bananeiras, e em que desenvolvemos uma velocidade de 130 quilômetros a hora, – abuso permitido, apenas, ao automóvel do secretário de Viação.
De súbito, uma resolução: vamos primeiro a São Vicente. Tomamos outra estrada, atravessamos a ponte, e eis-nos na velha cidade colonial, berço da capitania, com a sua fisionomia de singela e simpática de honrada e velha cidade nordestina. E, enfim o mar, a praia imensa e lisa, pela qual rodamos no rumo sul por alguns minutos… Damos meia volta, e é Santos, com suas praias animadas e ruas extensas de cidade que mais se preocupa com o trabalho do que com os enfeites (…)
E às três horas estávamos subindo a serra debaixo de um temporal formidável, como Moisés subiu o Sinai: entre raios e trovões, que passam acima e abaixo de nós, e rolam pelo vale imenso como se tivéssemos chegado ao dia do Juízo Final (…)
De súbito, uma “panne”. O automóvel para no alto da montanha. A chuva diminuiu porque a tempestade desceu.
“54. No sul, onde aliás já se encontravam, prosperando, à custa do próprio esforço, povoadores; do tipo de Ramalho e do bacharel de Cananéia, com grande progênie mestiça e centenas de escravos ao seu serviço, a colônia de São Vicente foi oficialmente fundada em 1532, como mais tarde a da Bahia, a expensas da Coroa, “que correra com todas as despesas da armada e da instalação ao contrário do que sucederia nas restantes capitanias, cuja colonização se processou exclusivamente a expensas dos donatários” (Carlos Malheiros Dias, “O regime feudal dos donatários anteriormente à instituição do governo-geral”, História da colonização portuguesa do Brasil, III). Foi em Pernambuco que o primeiro século de colonização mais vivo esplendeu o espírito de iniciativa particular, de esforço individual dos moradores. O que faz crer que estes foram, entre os portugueses vindos para o Brasil no século XVI, os mais capazes economicamente. A gente de melhores recursos e aptidões para a colonização agrária”.
“A mãe das povoações coloniais do Brasil”
O sociólogo e então deputado federal por Pernambuco pela UDN escreveu um artigo na revista O Cruzeiro defendendo a criação especial de um Museu Histórico Nacional em São Vicente. No artigo o famoso autor de Casa Grande & Senzala reafirma a condição de Céllula Mater de São Vicente: “… a mãe das povoações coloniais do Brasil” e também “cidade monumento”. O artigo foi publicado na edição de 22 outubro de 1949. Aprovado na Câmara, o projeto foi recomendado por uma comissão e estava atrelado ao projeto regional de unificação regional das cidades de Santos, São Vicente, Cubatão e Guarujá, de autoria do engenheiro urbanista Francisco Prestes Maia. A ideia não passou no Senado.
Congratulo-me daqui – como já me congratulei na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – com a gente de São Vicente que, praticando o bom municipalismo e o bom tradicionalismo de que o Brasil necessita hoje, se volta carinhosamente para os valores do seu passado. Pois esses valores fazem do velho burgo cidade de significação não apenas paulista, porém regional e nacional.
Por isso mesmo São Vicente é lugar ideal onde fundar-se ou organizar-se um Museu á maneira de que, nas cidades mais antigas dos Estados Unidos, recordam, por meio de reconstituições que até à arquitetura civil, a vida cívica, a profissional, a religiosa e até a doméstica dos primeiros povoadores europeus da América colonizada pelos ingleses. A fundação de um museu assim em São Vicente estou certo de que merecerá a simpatia de todos os bons brasileiros, tal a importância cívica e educativa que teria um centro de reconstituição histórica dos começos da sociedade e da economia brasileira, situado precisamente na cidade que foi a mãe das povoações coloniais do Brasil, isto é, das regular e oficialmente reconhecidas.
Em estudo sobre o plano regional de Santos –estudo cujo reconhecimento devo ao deputado por São Paulo, Sr. Aurélio Leite – o Engenheiro Francisco Prestes Maia, paulista ilustre e reconhecida autoridade brasileira em assuntos urbanísticos, destaca a conveniência de, dentro de um plano urbanístico, preservarem-se, na velha cidade, locais ou memórias de acontecimentos históricos, sem ter, entretanto, lhe ocorrido a ideia de, com vestígio tão dispersos, do passado como os que ali se encontram hoje, ser possível reclamar-se para São Vicente a condição de cidade-monumento. Parece-lhe, ao contrário, que São Vicente e Santo Amaro terão de constituir “por conveniências técnicas e administrativas”, uma unidade com Santos.
O que não falta a São Vicente é condição, ambiente, densidade histórica, para ser a sede de um museu onde se reconstitua a vida dos primeiros povoadores do Brasil organizados em vila ou cidade. Um museu que seja uma lição sugestiva de história colonial e não simples coleção de velharias ou relíquias.
Vitorioso já na Câmara, o projeto de lei que autoriza o Governo Federal a criar em São Vicente um museu desse gênero, é de esperar que não tarde a sua fundação. Será novo e bom aspecto da atividade educativa e não apenas técnica, de preservação ou conservação de valores do passado brasileiro, que desenvolve há anos, no nosso país, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob a direção admirável do Sr. Rodrigo Melo Franco de Andrade.
O Cruzeiro. Edição 1, 1949.
“saudar Santos é cumprimentar São Vicente”
Repórter carioca da revista “Eu Sei Tudo” visita Santos, Guarujá e escreve sobre São Vicente em 1923.
Aspectos de São Paulo – Santos
Por Escragnolle Dória (Luís Gastão d’Escragnolle Dória)
Professor de história, arquivista e escritor.
Uma visita a Santos jamais pode ser singular. Há de ser dupla por força.
Saudar Santos é cumprimentar São Vicente, a cidade vestutosíssima, o modelo histórico dos núcleos de habitação paulistas, a cabeça da capitania até que tal honra pairasse sobre os ombros de São Paulo. São Vicente é a relíquia do Estado.
Como tal deveria ser tratada se nossos governos, primeiro, nossos povos, depois, assentassem que a história é insubstituível escola dos homens.
Quem não sabe de onde veio saberá para onde vai? Um provérbio adverte: cabeça de louco jamais embranquece. As experiências, e a história está cheia delas, são as cãs dos povos. Quantos se julgam nascidos sem ligações com o passado errarão eternamente na vida.
A parte mais pitoresca de São Vicente é a do mar, com alguns bons prédios, inveja da cidade interior e com certeza, by God, recreio dos ingleses.
Descendo para o oceano, encontra-se o marco comemorativo pousado na terra vicentina pela Comissão Comemorativa do 4º Centenário do nosso Descobrimento, da qual foi pessoa eminente o Barão de Ramiz.
Perpetuaram em bronze vários nomes históricos. Em face do oceano ils ont grand air (em francês – “eles parecem ótimos”). Dizem muito passado a muito presente.
Também é antanho a matriz vicentina, onde traz inscrito o ano de 1757 no alto do arco da entrada. Encerra altares encimados pela coroa portuguesa. Entramos. Num deles celebravam uma missa. O sacerdote erguia hóstia qual a levantava o celebrante de 1757. Vento de passado circulava assim a igreja toda. Em São Vicente os banhos da história concorrem com os do mar.
Fonte: Memória Santista.
Imagem: Foto de Benedito Calixto e Sizenando Calixto.
Como nasceram nossas cidades
“O Tico-Tico foi a primeira e a mais importante revista voltada para o público infanto-juvenil no Brasil. O primeiro número circulou em 11 de outubro de 1905, tendo à frente o jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva. Já no ano seguinte tornou-se sucesso nacional de vendas, chegando à impressionante tiragem de 100.000 exemplares por semana”. Biblioteca Nacional
A mais antiga cidade do Brasil
Parece-nos que São Vicente está destinada a ficar desprovida de tudo. Não bastassem as divisões, desde os anos 40, da sua área territorial, com Praia Grande reclamando uma parte e Cubatão, outra; surge, agora, o Município de Cananéia a querer nos “tirar” um dos mais importantes títulos de nossa história (também reclamação de Porto Seguro-Bahia), alegando ser aquela cidade “a mais antiga do Brasil”, polêmica que vem desafiando historiadores. O nosso trabalho é pesquisar e não contar histórias. Assim sendo, perguntamos: quais os documentos apresentados pelo historiador, Dr. Antônio Pauli- sua obra “História de no de Almeida, em Cananéia”, na qual afirma ser, aquele Município mais antigo do que São Vicente. Em que? Que motivo teria para chegar a essa conclusão? Do ponto de vista histórico há, quase um empate. Mas tal não sucede. Gostaríamos de compulsar a obra de Paulino de Almeida. Tendo sido arquivista do Arquivo do Estado, pelos anos trinta provavelmente deve ter tido em mãos copiosa e preciosa documentação. Tudo faz crer, porém, que o historiador baseou-se no “Diário de Navegação” de Pero Lopes de Sousa, publicado e comentado pelo Comandante Eugênio de Castro, ou mesmo, em uma das conferências comemorativas do IV Centenário da Fundação de São Vicente, publicada na revista do IHGSP, vol. 29, intitulada “A Expedição de Martim Afonso de Sousa”, do mesmo Eugênio de Castro. O único fato, em termos históricos, que nos coloca após Cananéia é que lá foi o primeiro lugar, no litoral paulista, que Martim Afonso aportou, no dia 12 de agosto de 1531, na Ilha do Bom Abrigo, “Chantando padrões de posse”, pois pensavam muitos cosmógrafos que ali penetravam, em terras brasileiras, o Meridiano das Tordesilhas. Eis a razão da gentileza do Governo do Estado, em doar, àquela cidade, uma estátua de Martim Afonso, rememorando o acontecido há 450 anos. “Nessa época”, segundo o historiador Paulino de Almeida, “a Ilha de Bom Abrigo” era habitada por cerca de 200 pessoas brancas (!) (náufragos e degredados). Acontece que em São Vicente, já havia um pequeno núcleo de portugueses que se misturaram com os nativos guaianazes, para alguns historiadores e tupiniquins para outros e, entre toda essa gente se encontravam, então, João Ramalho e Antônio Rodrigues.
Um pouco de história
Segundo escrito de Eugênio de Castro, ao se referir a expedição de Martim Afonso de Sousa, “o litoral atlântico que se desen- volve no quadrante sudoeste, entre as Ilhas de Santo Amaro e do Bom Abrigo ou o “Portus de São Vicenzo” e o “Rio de Cananor”, de acordo com o exemplar cartográfico de 1502 – “é o mais remoto cenário geográfico da civilização europeia na terra paulista”. E no Rio Cananor ou em Cananéia que, em 1501, a expedição de Gaspar de Lemos (ou André Gonçalves), ou, em 1503, a expedição sob mando de Gonçalo Coelho (da qual se desgarrou Vespúcio), deixa, a cumprir degredo, um português conhecido pelo alcunha de “bacharel”. E, é nas ribeiras vicentinas que, com o tempo se irá ele juntar a outros portugueses. O famoso “bacharel” de Cananéia que, para alguns historiadores, trata-se de Francisco Chaves e, para outros, Mestre Cosme Fernandes, tão falado, tão comentado e não identificado até hoje, foi encontrado, segundo Washington Luís na sua onra “Na Capitania de São Vicente”, por Diogo Garcia em 1527, em São Vicente e em Cananéia, por Pero Lopes de Sousa em 1531. A identificação desse bacharel tem pouca importância para a história, porque ele nada fez de valor. O fato dele ter existido e ter sido encontrado por diversas pessoas em São Vicente e em Cananéia, e com genros negociantes, comprova que São Vicente já era conhecida e habitada por europeus muito antes de 1532. Nessa época havia moradores, não só no pequeno núcleo de portugueses a que se refere Alonso de Santa Cruz em seu “Islário”, como serra acima até o planalto, pelo sertão e, outros ainda, pela costa até Cananéia, Santa Catarina e mais ao sul. Já existia, pois, a povoação de São Vicente, como feitoria conhecida”. Dizer que Cananéia era habitada em 1531, não nos causou surpresa e tão pouco admiração, a maioria dos historiadores – e muitos – já exploraram por demais esse assunto.
Martim Afonso, o fundador
Não vamos nos ocupar com o roteiro da Armada de Martim Afonso de Sousa, sobejamente conhecida pelos historiadores e estudiosos. O que nos interessa é a fundação oficial de São Vicente. Possivelmente, D. João III deu instruções escritas sobre os fins principais dessa expedição armada. Foram sempre minuciosos, abundantes e longuíssimos, os regimentos organizados pelo governo português para todas as suas empresas. É possível que, também tenham sido dadas instruções acreditamos que, secretas, a Martim Afonso, as quais até hoje não foram divulgadas ou encontradas. Para a navegação de Martim Afonso só foram registradas três breves cartas régias. São conhecidas e podem ser lidas, na íntegra, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 24, págs. 74 a 78, ou na História da Colonização Portuguesa no Brasil, vol. 3.0, págs. 159 a 160. Em nenhuma dessas três cartas régias, datadas de 20 de novembro de 1530 e assinadas por D. João III, Martim Afonso é nomeado, ou mesmo indicado, Governador do Brasil. Sabe-se que em 22 de janeiro de 1532, no retorno do Rio da Prata e Cananéia, Martim Afonso, aportando em São Vicente, ciente do pequeno povoado integrado por portugueses já mesclados com o gentio, mesmo sabendo da impossibilidade, tendo em vista as cartas régias procedeu o ato de fundação e Criação da Vila de São Vicente, que foi a felizarda pela atitude do capitão-mór, função da qual estava investi- do por uma das cartas régias, cujo ato foi manter o nome que já existia, erigindo, com celebridade, a Igreja de N. S. de Assunção (que serviu de matriz), a Casa do Conselho (Câmara), a Cadeia, o estaleiro e todas as obras que eram míster para gazalhado da colônia e funções administrativas. Retornou para Lisboa, em meados de agosto de 1533, para dar conta ao rei do resultado, de sua expedição. Sem dúvida D. João III, tomando conhecimento desse resultado, e dele se contentando, nomeou Martim Afonso, capitão-do-mar da Índia, a 19 de dezembro de 1533, para onde ele partiu a 14 de março de 1534. Pela análise dos acontecimentos em que tomou parte a expedição de Martim Afonso de Sousa, desde o Cabo de Santo Agostinho, para o norte e para o sul e, pelo que ela fez, Washington Luís deduziu, assim como outros cronistas, que a sua missão foi: 1.0) Expulsar do Brasil os franceses que aí já começavam a se estabelecer, comerciando com os índios; 2.0) Descobrir minas de ouro e prata e mais metais preciosos que se esperava existir, muito abundantes, mais a leste das que os espanhóis se haviam apoderado, e que então desvairavam o mundo incitando a cobriça geral; 3.0) Reconhecer toda a costa e saber o que pertencia a Portugal, nos termos do Tratado de Tordesilhas. Esperava, talvez, D. João III que o seu domínio inclusive o Rio da Prata; 4.0) Fortalecer civil- mente é fortificar militarmente os diversos pontos da costa do Brasil, dentro da demarcação portuguesa, para assegurar os senho- rios do rei de Portugal, e neles estabelecer postos de ocupação, “cravando padrões portugueses de posse. “Repetimos” cravando padrões portugueses de posse”. Foi isso o que aconteceu em Cananéia. Durante o tempo em que Martim Afonso permaneceu em São Vicente, isto é, de janeiro e 1532 a meados de 1533, não era ele, ainda, donatário da Capitania, nem mesmo ainda a costa do Brasil havia sido repartida em Capitanias Hereditárias, não havia ele ainda recebido a doação que deu poderes para citar vilas. Antes não os tinha, pois o rei absoluto não os delegara nas mencionas três cartas régias. O foral da Capitania de São Vicente, passado em Évora em outubro de 1534, tão pouco os contém (vide documentos Históricos da Biblioteca Nacional, vol. 13, pág. 149 e seguintes). Só a carta de doação, a 20 de janeiro de 1535, os concedeu nos seguintes termos: “outrossim me apraz que dito capitão e governador, e todos os seus sucessores possam por si fazer vilas todas, e quaisquer povoações, que se na dita terra fizeram e lhe a eles parecer que o devem ser, as quais se chamarão Vilas, e terão termos e jurisdição, liberdade e insígnias de Vilas, segundo o fôro e costumes dos meus reinos…”
Criação da vila de Cananéia
Segundo os “Apontamentos” de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, acerca da época da criação desta vila e de seus fundadores, consta que “houve provisão do donatário em 1587, mas que só teve lugar a 13 de julho de 1600, pelo governador e capitão-mor Roque da Costa Barreto”. Entretanto, no Cartório da Tesouraria da Fazenda de São Paulo, maço n. 3 de próprios nacionais, encontra-se o seguinte documento: “Aos 31 de outubro de 1601, se juntaram os oficiais da Câmara desta Vila de São João Batista de Cananéia e assim mais os moradores desta vila e foram buscar um sítio acomodado para se fundar a vila, conforme previsão do sr. Governador….”
Conclusão
Toda a documentação consultada e pesquisada nos revela esses acontecimentos acima descritos, menos que Martim Afonso tenha fundado a Vila de Cananéia. No Brasão de Armas desse Município, no primeiro quartel do escudo (escudo esquartelado, dividido em 4 partes), nos é mostrado” um padrão de pedra com a cruz de Cristo, rememorando os marcos que Martim Afonso de Sousa, em 1531, chantou à Barra de Cananéia, no pontal de Itacurussa, primeiro ponto do Litoral Paulista a que aportou. “Como se sabe, o brasão de Cananéia, é de autoria do ilustre e já desaparecido historiador Afonso de E. Taunay”, mestre dos historiadores paulistas, “tendo sido, também, o autor da legenda que se encontra no Brasão de São Vicente, de autoria de Benedito Calixto que foi corrigido e aprimorado nas suas regras de heráldica em 1976. Para São Vicente, Taunay escreveu “Cellula Mater” (celula mãe, início de tudo). E para Cananéia: “Urbs Braziliae Clara” (Cidade Ilustre do Brasil), Francisco Adolpho de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, considerado o mestre da Historiografia nacional, quando se referia a São Vicente dizia – “São Vicente é a Cellular-Mater, quem quiser provar o contrário, procure antes estudar a História do Brasil”. Provavelmente, Taunay tenha aproveitado essa expressão do grande historiador. Convém lembrar que foi Taunay, também, o autor dos dizeres nas três placas de bronze colocadas no obelisco de Cananéia, inaugurado as 14 horas do dia 12 de agosto de 1931, na atual Praça Martim Afonso, comemorando dessa forma, o IV Centenário do “APORTAMENTO DA FROTA DE MARTIM AFONSO, no porto de Cananéia e da partida da bandeira de Pero Lobo”. É o próprio Dr. Antônio Paulino de Almeida – ilustre historiador, já falecido, que em 1926 era o Promotor Público de Cananéia que envidou todos os esforços, para recuperar um dos marcos, submersos, tendo, a 18 de julho de 1926, conseguido trazê-lo à praia e, que posteriormente coadjuvado pelo então prefeito daquela Cidade, sr. João P. de Almeida, foi pela municipalidade oferecido o marco ao Museu Paulista-escreveu, em 1932, os versos do “Hino à São Vicente”, música do maestro Eduardo Bourdot, composto para as solenidades do IV Centenário da Fundação de São Vicente. É, ele mesmo, no verso 3.0, assim se expressa: És a Cellula Mater da História/ que enobrece este povo gentil. / O teu nome, com honra, com glória/ neste dia repete o Brasil!
Finalmente, não sabemos a razão porque Cananéia reivindica o título de “a mais antiga cidade do Brasil”.
( Poliantéia Vicentina. Editora Caudex. 1982)
Cidade Monumento
Principais realizações arquitetônicas e urbanísticas
1526 – Parede de pedra construída sobre os alicerces da Casa de Pedra citada no Yslário de Alonso de Santa Cruz.
Meados do século XVI
– Biquinha de Anchieta
1580- Porto das Naus junto à avenida Tupiniquins (em ruínas)
1757 – Matriz de São Vicente Mártir
1885 – Prefeitura Municipal , Palácio Martim Afonso
1898 – Escola do Povo, o chamado Grupão (EEPG)
1900- Monumento dos 400 anos do descobrimento do Brasil.
Início do século XX
Antigo curtume de São Vicente
1914 – Ponte Pênsil , Saturnino de Brito.
1918 – Praça 22 de Janeiro, antigo Largo da Fonte
1925 – Casa do Barão, sede do Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente (Museu)
1930 – Vila Jardim Aralinda (conjunto habitacional)
1933 – Marco Coluna Padrão comemorativa do 4° Centenário da Colonização.
1935 – Edifício Anchieta
1940 – Edifício Gáudio
1953 – Busto Benedito Calixto (Praça João Pessoa)
1957 – Monumento ao Soldado Constitucionalista, na Praça Heróis de 32
1976 – Monumento a Martim Afonso de Souza, em frente à Prefeitura Municipal.
1980 – Monumento a Luiz Vaz de Camões, na Praia do Itararé.
1981 – Ponte do Mar Pequeno Esmeraldo Tarquínio (pista descendente).
Reservatório-túnel, no morro Vuturuá. Maior reservatório de água da América Latina com capacidade para 110 milhões de litros
1982 – Ponte do Mar Pequeno Esmeraldo Tarquínio (pista ascendente)
Ponte do Canal dos Barreiros. Samaritá.
1984 – Conjunto Humaitá (maior conjunto habitacional da Baixada)
1987 – Sede da Câmara Municipal
1992 – Construção da Ponte A Tribuna, conhecida como Ponte dos Barreiros.
Presença da Engenharia e Arquitetura – Baixada Santista. AEAS – Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos. Textos: Wilma Therezinha Fernandes de Andrade. Empresa das Artes, 2001.
“Ponte pênsil”
Na solidão do meu quarto recordo meu passado esportivo. Desde muito cedo tornei-me refém do mar e da quadra poli esportiva do meu querido C.R. Tumiaru em São Vicente SP. Lembro muito daquela quadra rustica de saibro e do “cocho” armado no lodaçal do mar pequeno no Japuí.
Muito jovem eu já era um andarilho pelas ruas da minha querida cidade. A Ponte Pensil era minha deusa e a Ilha Porchat minha musa. Mais tarde herdei uma bicicleta do meu irmão. Pedalei muito para chegar aos locais onde Martim Afonso fundou a cidade. Eu era muito feliz e sabia disso.
Vi cimentarem cada centímetro daquele lindo quadrilátero. A quadra engalanou-se. Ajudou a transformar meu sonho em realidade. Fui um predestinado, recebi um lindo presente e nunca mais o deixei. Segui fielmente sua cartilha, fiz parte daquele maravilhoso cantinho de amor.
Hoje sinto na pele que o tempo me trouxe cicatrizes. Aos 85 anos seria impossível não encontrar obstáculos no meu cotidiano. Felizmente possuo um teto pra honrar todas as minhas juras de amor. Comungo com Deus e com Suas palavras carregadas de sentimentos de fé.
Tenho como companheira uma bengala. Sei onde piso e pra onde vou. Não preciso criar mais nada, sigo apenas o tempo que me resta. Essa é a vida que eu sempre imaginei ter. Sou imensamente feliz. Não anseio pelo futuro pois carrego comigo momentos maravilhosos. “Jesus ainda me quer!”.
Wlamir Marques
São Paulo, sábado, 15/10/2022
São Vicente guarda história em edifícios
Quem tem um olhar mais atento ao município já reparou a ausência de edificações antigas pelas ruas. Mas essa falta não tem relação com descuido e a explicação está no passado. Pode visualmente não parecer, mas a primeira Cidade do Brasil, no auge de seus 486 anos tem muita história para contar. Vamos entender o que aconteceu?
O historiador Marcos Braga explica que São Vicente não tem um conjunto arquitetônico preservado devido a área de interesse histórico ser a mesma área de interesse imobiliário. “Diferente de Santos, onde o Centro é voltado à parte histórica e a praia para a especulação imobiliária e elas não se chocam”.
Segundo Braga, na Cidade sempre ocorre uma renovação imobiliária, e essa mudança destrói as construções antigas. Porém, mesmo não havendo preservação acentuada, São Vicente conta com diversas edificações tombadas pelos patrimônios históricos federal, estadual e municipal.
“A nível federal temos o que se chama de ‘Remanescentes da Antiga Vila Colonial de São Vicente’ que vem do Porto das Naus até um caminho que leva à Igreja Matriz”.
O historiador também cita algumas edificações históricas da Cidade. Uma delas é a Casa do Barão, atual sede do Instituto Histórico e Geográfico. Braga explica que a base da casa remete ao período de 1890 a 1920. O local tem preservação interna e externa.
“A maneira como foi conservada, nos dá quase uma dimensão real de como era a casa naquela época.”
Outro bom exemplo é a Casa Martim Afonso, que foi construída em 1895 pelo Barão de Paranapiacaba.
“A Casa Martim Afonso tem uma volumetria parcial da casa original, mas não tem parte interna preservada. Abriga um dos mais importantes sítios arqueológicos, restos da primeira construção de Alvenaria do Brasil, onde o fundador da cidade, Martim Afonso de Souza, residiu de 1532 a 1533”, explica o historiador.
Já o prédio que abriga o atual Mercado Municipal existe desde 1929. O local já foi sede da primeira Câmara Municipal e lá também funcionou a Cadeia e o Quartel da Polícia, já demolido.
Desde 2007 São Vicente conta com o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Cultural e Turístico (Condephasv, LEI Nº 1634-A) e possui 16 bens reconhecidos pela Cidade. É formado por 10 representantes da sociedade civil e 10 do Poder Público. A principal missão do conselho é defender e valorizar os monumentos e a arquitetura histórica de São Vicente.
A seguir a lista de patrimônios históricos tombados pelo Condephasv; Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat); Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) :
Porto das Naus – Avenida Tupiniquins s/n (Condephasv – 2011; Condephaat – 1982; Iphan – 1955).
Igreja Matriz – Praça João Pessoa s/n (Condephasv – 2011; Condephaat – 1982 ; Iphan – 1955). Ponte Pênsil – Entre as Avenidas Tupiniquins e Presidente Getulio Vargas (Condephasv -2011; Condephaat – 1982).
Casa do Barão. Sede do Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente e área verde – Rua Frei Gaspar nº 280 (Condephasv -2011; Condephaat – 1988).
Biquinha de Anchieta – Praça da Biquinha s/n (Condephasv) 2011. Marco Padrão – Praia do Gonzaguinha. (Condephasv) 2011.
Praça 22 de Janeiro e Monumento ao 4º Centenário do Descobrimento do Brasil. (Condephasv) 2011.
Casa Martim Afonso e parede histórica. Praça 22 de Janeiro nº 469 (Condephasv) 2011.
Escola do Povo, (Grupão) atual ETEC – SV. Praça Coronel Lopes nº 387 (Condephasv) 2011.
Colégio Martim Afonso – Rua José Bonifácio nº 102 (Condephasv) 2011. Prefeitura Municipal de São Vicente. Rua frei Gaspar nº 384 (Condephasv) 2011.
Memorial 500 anos (Mirante Niemeyer). Ilha Porchat (Condephasv) – Decreto nº 3014-A – 20/01/2010.
Sítio Santana de Acaraú (área continental de São Vicente) (Condephasv) Decreto nº 3087-A – 30/06/2010.
Mercado Municipal (fachada). Praça João Pessoa (Condephasv) Decreto nº 3159-A – 24/11/2010.
Museu do Escravo e acervo, localizado No Horto Municipal – Ofício Condephasv – 15/12/2011. Tombado em 31/10/2012
Imóvel de nº 48 da Rua Martim Afonso – Tombamento Decreto nº 3948-A. 7/5/2014. Imóvel de nº 56 da Rua Martim Afonso – Tombamento Decreto nº 3947-A. 7/5/2014.
Ainda se encontra pendentes os seguintes tombamentos enviados à Prefeitura. Imóvel de nº 32 da Rua Ana Pimentel – Ofício Condephasv – 15/12/2011. Imóvel de nº 36 da Rua Ana Pimentel – Ofício Condephasv – 15/12/2011.
Fonte: Diário do Litoral, 16 de março de 2018
Significado do monumento-padrão
As pedras do singelo monumento compõem um alto fuste completamente liso, de forma cilíndrica, com seção circular que é símbolo da imortalidade, sem princípio nem fim; com geratrizes retas, paralelas, que sobem verticalmente para as alturas siderais, na estrada infinita do pensamento.
Tem por capitel um prisma quadrilátero, com os quatro escudos: do Portugal quinhentista, como o trouxeram os navegantes d’além-mar; de Martim Afonso de Souza, que foi o primeiro capitão-mor, donatário e fundador de São Vicente; da Ordem de Cristo, signo augusto que marcou os feitos heróicos dos primeiros cruzados e os arquejantes seios das primeiras caravelas; da atual Pátria brasileira, que estabelece triunfantemente a data atual e o epílogo glorioso de todo aquele passado, que não se fecha no ciclo quadricentenário destas datas, mas se prolonga na trajetória milenária de um povo que marcou na história da Humanidade a mais brilhante das suas eras e das suas epopéias.
A cada um destes escudos correspondem verticalmente, no soco do primeiro pedestal, os seguintes lemas:
“Pola ley y pola grey”;
“S. Vicente – 1532-1932”;
“Talant de bien faire”;
“Brasiliae cellula-mater”
Suporta esta coluna uma grande esfera armilar, que foi real e áurea divisa Manoelina, figurando nas bandeiras desses primeiros navegadores, donde passou como distintivo heráldico para o Brasil-Colônia, depois para o Reino Unido, e por fim para os Estados Unidos do Brasil.
Encima-a a cruz de Cristo, que foi o espírito, o verbo, a visão, a estrela-guia daqueles heróicos cavaleiros do mar, e assenta nessa imagem geocêntrica do mundo solar, como símbolo sacrossanto do divino crucificado, no espaço celestial das ressurreições, com a sua auréola infinita de firmamentos, dominando o universo terrestre, como o vasto calvário da sublime doutrina cristã, e o reino temporal do
Espírito onipotente criador de todos os universos.
Que os vicentinos de hoje olhem para aquele monumento das Pedras do Mato – e aquela arvorezinha (Guapé, da família das Pontederiáceas), que já estava ali antes da inauguração – com todo respeito e carinho, procurando, de todas as formas, preservá-lo do vandalismo. Enfim, foi um presente que ganhamos. (Jaime Caldas).
Porto das naus ainda relegado ao abandono
Distante poucos metros de uma das cabeceiras da Ponte Pênsil, o Porto das Naus, um dos locais históricos vicentinos mais antigos, considerado o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, ficou por décadas abandonado. Em 13 de junho de 1982, essa situação foi denunciada em matéria do jornal santista A Tribuna.
DESCRIÇÃO DO IBGE. . Tombado em 1977 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (Condephaat). É considerado como o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, tendo as ruínas datadas do século 16. Em 1924, o então presidente do Estado, Washington Luiz, colocou no local uma placa com os seguintes dizeres: “Presidente do Estado, Dr. Washington Luiz Pereira de Souza – XX – IV – MCMXXIV – PORTO DAS NAUS – As ruínas que aqui se veem são restos do antigo ancoradouro das naus do tempo de Martim Afonso de Souza”. Porém, em 1981 a placa foi roubada do pedestal que a sustentava.
Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/sv/svh037.htm. Acesso em: set. 2015.
Inscrição na foto: pequeno ancoradouro das antigas embarcações lusas, ao tempo de Martim Afonso, e local, de primeiro posto alfandegário do Brasil. Vestígios das ruínas do engenho de cana de Jeronimo Leitão.
SÃO VICENTE – No dia 30 de abril, o ex-secretário da Cultura, deputado Cunha Bueno, em um dos seus últimos atos à frente daquela pasta, esteve em São Vicente, para, juntamente com representantes do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado – Condephaat -, oficializar o tombamento da velha Ponte Pênsil, numa homenagem aos 68 anos da obra e ao 450º aniversário da fundação da “Cellula Mater” do Brasil. Após os discursos de praxe, entremeados de salvas de palmas, o ex-secretário descerrou a placa colocada na cabeceira da ponte, no final da Avenida Newton Prado, garantindo sua preservação, sob a tutela do Governo Estadual.
Mas, a poucos metros dali, nas proximidades da outra cabeceira da lendária Ponte Pênsil, às margens da Avenida Tupiniquins, algumas ruínas históricas continuavam a ser menosprezadas pelas autoridades. Estamos falando do Porto das Naus, um dos únicos monumentos que restaram para contar a história da cidade mais antiga do País e que, por omissão dos responsáveis, parece também condenado a desaparecer por completo, num procedimento que já se transformou em tradição no que se refere ao passado do território vicentino.
Hoje, o Porto das Naus, considerado como o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, é a própria imagem do abandono, e as ruínas que ali se encontram, datadas do século 16, estão sucumbindo à ação do tempo e dos vândalos. Esse é o retrato de um dos monumentos históricos de São Vicente, no ano em que o município completa quatro séculos e meio de existência. Contudo, por incrível que pareça, o local também se encontra sob a tutela do Condephaat, pois foi “contemplado” com a mesma distinção que recentemente coube à Ponte Pênsil.
Promessas – Em 1977, também entre palmas e discursos, o Governo Estadual, através do Condephaat, tombou aquelas ruínas. Junto com o tombamento, vieram as promessas de que o logradouro receberia serviços de recuperação, já que o principal objetivo da medida de preservação era evitar o desaparecimento da memória viva do nosso passado colonial.
Na época, todos acreditaram que o tombamento garantiria finalmente, para a cidade, a conservação daquele monumento. A euforia, no caso, era reforçada pelo fato de que, em 77, São Vicente também fora elevada à categoria de estância balneária, o que, em teoria, possibilitaria, por intermédio de verbas estaduais, a agilização do potencial turístico do município, onde as tradições históricas ocupariam lugar de destaque.
Mas, a exemplo do que aconteceu com o título de estância balneária, o tombamento do Porto das Naus também se constituiu, com o passar dos anos, numa tremenda decepção para os vicentinos. As promessas de recuperação das ruínas eram sempre renovadas pelas autoridades estaduais e, durante a administração municipal anterior, o ex-prefeito Koyu Iha chegou a ser informado de que o Condephaat já tinha um projeto pronto para recuperar o logradouro. Faltava apenas viabilizar os tão famosos recursos. O tempo foi passando, os recursos não chegavam, o projeto amarelava na gaveta e as ruínas do Porto das Naus iam sumindo.
Mais promessas – Em fevereiro de 1981, porém, as esperanças se reavivaram. O então secretário da Cultura veio naquele mês a São Vicente participar de uma solenidade comemorativa do aniversário do Instituto Histórico e Geográfico do município. O prefeito Antônio Fernando dos Reis, que há poucos dias havia assumido a Prefeitura, após a renúncia de Koyu, ficou contente ao saber do deputado Cunha Bueno que a recuperação do Porto das Naus começaria em breve, já que, segundo o ex-secretário, a intenção do Governo Estadual era homenagear São Vicente por ocasião do seu 450º aniversário, que ocorreria no próximo ano.
Outra promessa renovada, outra decepção para São Vicente. O ano de 81 transcorreu sem que o Governo Estadual sequer voltasse a comentar a concretização do tal projeto do Condephaat para recuperar as ruínas.
No entanto, o Porto das Naus voltou ao noticiário dos jornais, e de forma melancólica. Em 1924, o então presidente do Estado, Washington Luiz, colocou no local uma placa com os seguintes dizeres: “Presidente do Estado, Dr. Washington Luiz Pereira de Souza – XX – IV – MCMXXIV – PORTO DAS NAUS – As ruínas que aqui se vêem são restos do antigo ancoradouro das naus do tempo de Martim Afonso de Souza”.
Pois bem, num belo dia do segundo semestre de 81, a placa foi roubada do pedestal que a sustentava. Ironicamente, o nome do fundidor da placa, em 1924, era H. Maluf, conforme esclareceu o historiador Jaime Caldas. (N.E.: a alusão é ao fato de o governador em 1981 ser Paulo Salim Maluf, cujo sobrenome seria popularizado como um neologismo, o verbo malufar, no sentido de enganar, roubar).
Mais e mais promessas – O ano de 82 chegou, a cidade mais antiga do Brasil comemorava quatro séculos e meio de existência, e um dos seus únicos monumentos históricos permanecia relegado ao abandono, para o qual até a administração municipal contribuía, já que nem os serviços de conservação e limpeza das áreas ajardinadas que circundam as ruínas vinham sendo realizados. E no dia 30 de abril, o deputado Cunha Bueno voltava ao município, para homenagear os 450 anos de São Vicente, formalizando o tombamento da Ponte Pênsil pelo Condephaat.
Depois dos discursos e das palmas, e após o ex-secretário ter justificado o por quê da iniciativa de preservação da velha ponte, os repórteres insistiram em relembrar ao deputado que, a poucos metros dali, as ruínas do Porto das Naus ainda estavam aguardando uma melhor atenção do Governo Estadual. O ex-secretário não soube informar quando os serviços de recuperação seriam iniciados, declarando apenas que o assunto continuava “sendo estudado” pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Há algumas semanas, Cunha Bueno deixou a Secretaria Estadual de Cultura, desincompatibilizando-se do cargo para tentar a reeleição como deputado. E o Porto das Naus continua abandonado.
… continua relegado ao abandono, destruído pelo tempo e por vândalos
Frustração – De acordo com o historiador Jaime Caldas, que cita outro historiador vicentino, Francisco Martins dos Santos, já falecido, as ruínas que hoje existem no Porto das Naus são do antigo engenho de cana-de-açúcar de Jerônimo Leitão, construído em 1580 sobre os alicerces e paredões do mais velho trapiche alfandegário do Brasil, criado em 1532 (ano da fundação de São Vicente) e que precedeu todas as alfândegas do País.
O engenho foi destruído, juntamente com a Capela de Nossa Senhora das Naus, pelos corsários holandeses comandados pelo famoso pirata Joris van Spilberg, no ano de 1615, restando apenas as ruínas que atualmente permanecem no local.
Conforme Jaime Caldas, há muita divergência entre os historiadores quanto a determinados aspectos históricos do Porto das Naus, chegando-se inclusive a afirmar que as ruínas atuais pertencem ao antigo ancoradouro das naus de Martim Afonso, quando na verdade elas são remanescentes do engenho de açúcar construído posteriormente no local.
De qualquer forma, o valor histórico do Porto das Naus não é contestado por ninguém, tanto que o próprio Condephaat, tão criterioso em suas pesquisas, optou pelo tombamento das ruínas. Mas os recursos para a recuperação.
Porto das Naus
1º sítio histórico da colonização brasileira
Embora a identificação histórica da área como “Porto das Naus” seja difícil, ele foi declarado Monumento Nacional pela Lei Federal Nº 1.618-A de 6 de junho de 1952. Foi também tombado pelo Sphan – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 17 de janeiro de 1955, e pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Turístico do Estado de São Paulo, em 30 de março de 1982.
É fato histórico, reconhecido e documentado, que o “Porto das Naus” assim conhecido popularmente – corresponde ao primeiro sítio histórico da colonização vicentina e brasileira, e como tal deve ser apresentado.
A área pertencia ao Bacharel Mestre Cosme Fernandes e lhe teria sido dada por Gonçalo Monteiro, Governador itinerante da Costa Brasileira, antes de 1510. Ali o Bacharel logo construiu um estaleiro, chegando a fabricar barcos que navegaram para a Europa. Este estaleiro – o 1º do Brasil – teria sido também a 1ª indústria brasileira. Ainda ali Cosme Fernandes, Antonio Rodrigues e João Ramalho mantiveram um movimentado porto de tráfico de escravos indígenas até 1531, o qual chegou a ser conhecido na Europa como um dos maiores portos escravagistas.
Já em 1532, com a expulsão do Mestre Cosme Fernandes de São Vicente, Martim Afonso de Sousa instalou um trapiche alfandegário para receber as mercadorias desembarcadas pelos navegadores no Porto de São Vicente.
Desativado este trapiche, a mesma área que pertencera ao Bacharel Cosme Fernandes foi transferida por Antonio de Oliveira – o segundo Capitão-Mor de São Vicente – em 25 de maio de 1542 a Pero Corrêa, que aí estabeleceu o porto de tráfico de escravos indígenas e de embarque e desembarque de cargas para a região das feitorias do Sul de São Paulo, especialmente para Peruíbe, onde também possuía o seu porto.
Em 1550, Pero Correa converteu-se ao cristianismo e aí construiu uma igreja, sob a evocação de Santa Maria das Naus. Em 1580, essa área foi transferida para o Capitão-Mor de São Vicente, Jerônimo Leitão, que nela construiu um engenho de açúcar.
Remanescentes da 1ª vila
A Lei Federal Nº 1.618-A, de 6/6/52, erigiu em Monumento Nacional, todos os remanescentes da 1ª Vila Colonial de São Vicente. Consta no processo de tombamento feito pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional o seguinte: “A área continental a ser preservada deve ter – por linha de fundo, a cumidade do morro do Japuí; por linha de frente, a ribeira; por lado direito, o alinhamento definido pela perpendicular baixada do pegão da Ponte Pênsil sobre a linha de fundo; do lado esquerdo, a linha marcada pela perpendicular baixada do sopé extremo do Japuí sobre a borda da água. Assim estender-se-á o bosque executado no Governo Washington Luiz”.
Fonte: Boletim IHGSV
Um novo padrão de São Vicente
Discurso proferido polo Exmo. Senhor Doutor Ricardo Severo e mui gentilmente cedido por S. Excia. ao “Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro”.
Há mais dum ano passado, reunimo-nos neste local, comemorando a entrada pelo mar de Martim Afonso de Sousa, o fundador da Vila de São Vicente; foi isto quando da cerimónia da pélra inaugural para a coluna-padrão que a Colónia Portuguesa de Santos e S. Vicente ofertou afim de comemorar este acontecimento notável, que é o primeiro acto oficial e histórico da ocupação e colonização do Brasil pelo governo de Portugal.
Tive então a honra de traduzir, em nome da Comissão realizadora desta homenagem, o simbolismo deste padrão quanto á sua idéa e arquitectura; e procurei salientar a extrêma singeleza das suas formas, pois que, só esta simplicidade poderia atingir o gráu monumental do facto histórico e, ao mesmo tempo, a universal expressão dum simples átomo da Verdade.
Atomo real da primeira célula que gerou o corpo gigantesco da maior nação da América Meridional; tal foi o significado do primeiro marco, chantado no limiar da acrópole da nova nacionalidade
Essa primeira balisa, porém, não existe mais no antigo local, porque o mar com o seu leito de areia veio estirar-se pela terra dentro, alagando a primitiva vila
Os portugueses de agora – felizes habitadores desta boa térra – concertáram-se para erguer uma nova balisa, não, substituindo a dos ancestrais patrícios, d’ha quatrocentos anos, mas, colocando-a sobre uns rochedos que o mar sempre respeitou, e do-lhes forma perdurível com o estilo heráldico representativo dêsse grande feito que passou da sua ERA LUSTADA para a ERA PRIMEIRA da história do Brasil.
Construído com o mais alvo granito dos campos do Piratininga – por onde se estende a grandiosa capital deste maior dos Estados brasileiros —; transportado para as “Pedrasdo-Mato” na orla maritima desta primeira Capitania de demarcação territorial do país brasileiro; este singélo monumento contém no seu corpo a material substância, não só do feito histórico de ocupação e povoamento, como também do próprio solo e natureza, em cujo quadro magnífico se forma a nova e magnífica nacionalidade.
Composto com os símbolos e escudos da iconografia e nobiliarquia quinhentista, que representam uma tradição centenária e uma epopéia maravilhosa, este modesto padrão também irradia o espírito que animou a heroicidade dum povo, conduzindo-o desde os recantos da vélha Lusitânia até á obra universal da civilização por todas as terras e por todos os mares. Nele está também a alma primeva da nação brasileira, e nele tem origem a heroica ERA DOS BANDEIRANTES.
Erguida no meio da natureza encantadora do quadro vicentino, á luz da dourada opulência deste sol tropical ou sob a prateada fantasia dos seus luares de misteriosas claridades, surgira, do espelho ondeante que borda o areal da costa, como espéctro doutras caras, engrandecido pela visão do culto tradicional, aureolado por espumas do mar, luzes e nuvens do céu, grinaldas floridas dos jardins a térra.
Surgirá como cavaleiro de antigos templos, ordens ou cruzadas; o elmo recortado em globo armilar, donde uma só vista abraça todo o universo zodiacal; sobre o virol, o timbre em cruz, que foi o seu emblema, com seu talismã por térras e mares ignotos; o manto longo e alvo com a brancura do voto absoluto e da pureza da sua fé; e sobre o seu busto de gigante em relevante brocado de prata e ouro, os quatro escudos, que não nos falam só (le heráldica mas de genealogia e de história; para o lado do mar o escudo real do seu monarca e da sua pátria, também a insignia da cruz-de-cristo que cobre o novo mundo português; para o lado da terra o brasão nobiliárquico do fundador e o símbolo armorial da nova pátria brasileira, no pleno triunfo da sua independência, na sua éra actual corpo e alma á maior aventura de que resa a de maravilhoso progrésso.
Paréce altear-se, ésse Cavaleiro-do-Mar, em um nimbo de fantasmagoria, como arauto rememorando a epopéia dos lusíadas ou anunciando a aparição, no surgidouro da barra, entre a Ilha do Mudo, e o morro Xixová da náu capitánia, “N. -Snr.”-das-Candeias”, e do galeño “S. Vicente”, que na tarde histórica de 22 de Janeiro de 1532 aproaram á pequena abra de S. Vicente aferrando na fóz do Estreito em frente ao Tumiarú.
Fundada pelo capitão mór Martim Afonso de Sousa, a nova vila com seu alfós, e estabelecidas no território da Nova Lusitania as ordenações da vélha metrópole, com o feudalismo das suas capitanias, com os alicerces raciais e legais duma nova pátria, foram-se as níus com os nobres mandatarios d’el-rei; e sumiram-se lá onde o mar se junta ao firmamento – pelo oceano imenso de incertos rumos e vagos destinos, sob um ceu infinito de quiméricas miragens e enganosas estrelas. Entre mar e céu, vagueáram então, não só éstes, mas outros hcróis duma nação de argonautas, entregues de corpo e alma á maior aventura de que résa a história, enebriados pela utopia do mais vasto imperialismo que tem pretendido dominar o mundo.
Entre ésse passado e o presente, mantem-se sobre aqueles rochedos da praia vicentina, a figura hierática do novo cavaleiro-fantasma, personificação visionária no quadro da tradição e da história, arauto e vigia na fronteira dum Novo Mundo.
No eixo vertical desta alegoría que se levanta do mar para sagrar-se sob a auréola constelar do Cruzeiro-do-Sul, permanece a granítica realidade dessa coluna-padrão, a comemorar a epopéia portuguesa, que, no tempo, vai até aos primórdios da civilização europeia, que, no espaco, vem até aqui, á origem da nação brasileira.
Com este simbolismo de ideação e de forma, neste local firmaram os portugueses a balisa comemorativa da “Brasiliae-cellula-mater”; e como éste padrão significa ainda um acto colectivo de culto patriótico, revertendo ao passado, e um voto permanente de prosperidade, encarando o futuro, com éste resplendor de idealismo, de crença, de veneração, entrégam o modesto monumento á Prefeitura de São Vicente, neste local em que se originou, há quatrocentos anos, a formação histórica da nação brasileira, á qual o ofértam, dedicam e consagram.
CAVALEIRO – DAQUEM-OU-DÁLEM-MAR- de Cristo, dos Templários ou de Santiago-permanece onde estás, no teatro da história, do sonho ou da fábula, envolto no teu alvo manto de fantasia, brocado a ouro e prata pelo sól e pela lua desta maravilhosa ribalta da natureza brasileira.
Viéste com as lendas atlánticas até este continente ocidental que descobriste, do “Boreas ao Austro”, desde a Groclandia, pelas térras dos Cortes Reais e do Labrador até ao estreito de Magalhães, e cujo coração ocupaste criando ao redor o vasto organismo do maior império da América do Sul.
CAVALEIRO-DE-PORTUGAL – dos Sousas, dos Coelhos, dos Gamas, dos Albuquerques e doutros brasões – que surgiste pelo mar na cruzada lussada, nessa ala de sonhadores e trovadores andantes duma quiméra, duma religião e dum ideal; não trespasses a nebulosa idealista que te cérca e te consagra; e fica-te pelos cabos, pelas baias, pelos estuários, em cujo fundeadouro arribáste e ancoraste.
Frente á materialidade moderna, que tudo arrasa na sua tiranía estática, na sua potência dinâmica, comporás com outros muitos doutras pátrias o estado-maior duma nova ala de Bandeirantes-do-ideal, que tem de surgir dos oceanos e dos continentes para reformar as nações dentro dum culto e dum regimen humano, para as orientar e unir sob o governo do pensamento e da razão, para reconstruir o mundo do espírito que será a pátria moral da humanidade”.
CAVALEIRO-E-BANDEIRANTE-DO-BRASIL!
Eis a tua missão nesta pátria bendita, no coração da esféra armilar que é o celéste emblêma do universo e também da tua gloriosa bandeira
- Vicente, 19-III-1933
RICARDO SEVERO
A vila velha de São Vicente
A história traz-me, hoje, a visão do passado. Empresta-me os olhos do passado para que eu veja as coisas que se foram
Tudo, então, se me parece antigo.
Os índios alvoroçados com as novidades portuguesas… Os poucos negros, com o batuque da terra distante, fazem melancólicos e taciturnos os eventos da vila.
Que padre é aquele que vem lá? Gonçalo Monteiro, Anchieta, Nóbrega, Leonardo Nunes ou Frei Gaspar da Madre de Deus?
E aquele ancião, cercado de indiozinhos? João Ramalho ou outro lusitano, semeador de vida branca por aqui? Sei lá! O que sei é que vejo minha terra natal como deveria ter sido, exalando cheiro antigo na modernidade do ano 2001.
A Vila Velha soube ressuscitar, no desvario dos dias modernos, a placidez dos séculos passados. Quem é aquele menino, filho de português e índia, que eu vejo rezando tanto, mais que os outros, prenunciando a glória religiosa de uma cristandade nascitura? Seria André de
Soveral, o meu irmão martirizado, aquele menino rezador?
Séculos se foram. E eu vejo, hoje, como se fosse ontem, os embalos ingênuos de quase cinco séculos vividos.
O milagre da história colocou-me sentado ao lado dos pais da pátria. Eles me falavam da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, do Colégio dos Meninos de Jesus, da água milagrosa da Biquinha dos encantos das praias virgens, da altivez da ilha do Mudo, do ancoradouro das Naus, dos engenhos de açúcar e aguardente, da evangelização religiosa, das lutas com os índios, do embarque dos bandeirantes, das noites de luar e das manhãs ardentes, das tempestades de outono, das festas religiosas, dos quitutes africanos e dos remédios de ervas, que os índios manipulavam… Falavam, principalmente, da pureza de costume.
O sonho contagiou-me. E eu sonhei até o instante em que alguém me lançou no batente: “Padre, está na hora de o senhor celebrar a missa do Padroeiro. O Sr. Bispo já chegou”.
Adeus, Vila Velha! Adeus, São Vicente antiga! Adeus meus ancestrais! Passado, presente e futuro, tudo é uma coisa só, para quem ama!
“E eu te amo, São Vicente.”
Pe. Paulo Horneaux de Moura São Vicente, na Vila Velha, ano 2001
São Vicente e Santos, ilha e continente
Martim Afonso de Sousa concedeu a primeira sesmaria do Brasil a Pedro de Góes. Esta foi originalmente a primeira divisa territorial entre a Vila de São Vicente e a futura Vila do Porto de Santos, nascida dez anos depois, em 1542.
Ao visitar a região, o governador geral Tomé de Souza estranhou a proximidade entre as duas vilas e tinha a intenção de extinguir uma delas, por questões administrativas, porém desistiu do ato alegando que, mesmo tendo Santos o potencial econômico do porto, não poderia deixar de reconhecer a antiguidade da vila vicentina, onde havia uma tradição a ser respeitada e mantida.
O tempo se encarregaria de definir o futuro das duas vilas, sendo Santos contemplada com a prosperidade dos negócios ali concentrados e também expandidos para outras regiões da colônia e do reino; e São Vicente fadada ao declínio, desde o desastre oceânico de 1541, com a dispersão das famílias, dos órgãos políticos e eclesiásticos e sobretudo das atividades econômicas. A vila mais antiga renasceria surpreendentemente com o advento da república. O mesmo aconteceria com Santos durante a mineração, renascendo no final do século XIX.
É perfeitamente compreensível que, dentro do núcleo afonsino desembarcado aqui em 1532, já havia claros indícios das disputas entre as famílias que compunham o projeto colonizador de Martim Afonso. A primeira divergência entre elas foi exatamente sobre a ocupação e domínio sobre a Ilha Gohaió, que já tinha assentamento definido na baía e lagunas vicentinas; e na parte do Enguaguassu, canal marítimo onde seria construído o novo porto e a Santa Casa de Santos, juntamente com Cubatão, a nova porta de entrada e passagem para o Planalto Piratininga, o principal alvo da corôa portuguesa:
“S. Vicente, capitania de Martim Afonso é uma terra muito honrada e de grandes águas e serras e campos. Está a vila de S. Vicente situada em uma ilha de três Léguas de comprido e uma de largo na qual ilha se fez outra vila que se chama Santos a qual se fez porque a de S. Vicente não tinha tão bom porto; e a de Santos, que está a uma légua da de S. Vicente, tem o melhor porto que se pode ver, e todas as naus do mundo poderão estar nele com os proizes dentro em terra. Esta ilha me parece pequena para duas vilas, parecia-me bem ser uma só e toda a ilha ser termo dela. Verdade é que a vila de São Vicente diz que foi a primeira que se fez nesta costa, e diz verdade, e tem uma igreja muito honrada e honradas casas de pedra e cal e com um colégio dos irmãos de Jesus. Santos precedeu-a em porto e em sítio que são duas grandes qualidades e nela está já a alfândega de V. A. Ordenará V. A. nisto o que lhe parecer bem que eu houve medo de desfazer uma vila a Martim Afonso, ainda que lhe acrescentei três, s. (isto é) a Bertioga, que me V. A. mandou fazer, que está a cinco léguas de S. Vicente na boca (dum) rio por onde os índios lhe faziam muito mal” – Tomé de Souza em carta ao rei D. João III
Um coletivo para preservar a história de são vicente
Entre 2016 e 2018 iniciamos informalmente a reunião dos conteúdos memoriais historiográficos de pessoas que amam São Vicente, preservam sua memória e produzem conhecimento sobre a história da Vila mais antiga do Brasil. As primeiras ações aconteceram no blog SãoVicente na Memória (hoje desativado), depois transferido para a página do Facebook, até hoje em atividade. Para dar identidade como a todas esses registros, criamos simbolicamente o CALUNGAH, marca cultural mais forte e conhecida do gentílico vicentino e que é ostentado com orgulho por milhares de pessoas que aqui nasceram e também por tantos que aqui passaram algum período de suas vidas, tendo a mesma honra de pertencimento. A explicação do significado desse símbolo está na cronologia do período imperial.
Desde 1982, quando foi publicado o memorável álbum “Poliantéia Vicentina”, a cidade estava sem uma síntese histórica que resgatasse a sua trajetória secular. Essa lacuna de 40 anos agora pôde ser preenchida com disponibilização desse acervo historiográfico e literário proporcionado pelo trabalho de inúmeros colaboradores por meio de suas diversas e reconhecidas contribuições
Somos “calungas”, apelido afetivo e também o único e mais antigo gentílico das cidades da região. A nomeação e numeração deles foi por ordem de chegada e organização das suas contribuições, com exceção do número 1, que representa todos os antigos companheiros que nos antecederam nos últimos cinco séculos.
É um coletivo de ordem afetiva, sem pretensões acadêmicas e institucionais, agrupado naturalmente durante as pesquisas e buscas de fontes para organizar e compor a obra. Muitos outros virão.
Gratidão pelos materiais disponibilizados ao coletivo…
Luz pra nós!
Luz pra nos
Grata pela informação!🙏🌹
Grato pelo post.
Luz p’ra nós!
Luz p’ra nós!
Caracas, senta que lá vem história rsrs.
Luz p’ra nós irmã.
#unebrasil
site mais longo e completo rsrs
Luz p’ra nós 🙏⚛️💥⚠️✅
Uma das cidades mais importantes da historia do Brasil…
hoje um descaso total por parte dos governantes…
Muito interessante a historia de São Vicente
Mais um trecho de uma das rimas do eterno Felipe boladão , na musica Kalunga:
São Vicente nunca lhe pediu nada
Foi você quem prometeu
Dar uma pá pros kalungas, e até hoje não deu
Dar uma pá pros kalungas, e até hoje não deu
mlk era sabio!
#luzpranos
estudando o mapa de sp, aí apareceu esse link, muito bonita a historia as imagens.
curti o trecho, historia tbm mesmo sendo musica.
Luz p’ra nós!
Luz pra nós
Luz p’ra nós!
Luz p’ra nós
Luz p’ra nós!
Luz p’ra nós!
Luz p’ra nós
Luz p’ra nós!
Luz p’ra nós!
Luz p´ra nós !!
Gratidão pela matéria!
Luz p’ra nós!
Muito bom.
🙏🏽 lpn.
Tenho que sair pra trabalhar, gostei muito da postagem, vou reservar um tempo pra ler a matéria inteira. Gosto muito de História, e a da cidade de São Vicente é fascinante. LPN.
Luz p’ra nós!
Gratidão.
Luz p´ra nós
Luz p’ra nós.
Luz p’ra nós