Na extensa jornada em direção ao coração da Austrália, a 848 km ao norte das planícies costeiras de Adelaide, emergem enigmáticas dunas de areia.
Ao redor delas, a paisagem se mostra completamente árida – uma vasta extensão de poeira cor-de-rosa, ocasionalmente pontilhada por arbustos persistentes.
Entretanto, à medida que se avança pela rodovia, surgem outras construções enigmáticas similares – montículos de solo claro, dispersos de forma aleatória como monumentos esquecidos há muito tempo. E, de tempos em tempos, tubos brancos se erguem do solo ao lado destes montes.
Estes constituem os primeiros indícios de Coober Pedy, uma localidade de mineiros de opala com cerca de 2,5 mil residentes. Muitos dos pequenos picos na região são resíduos de solo gerados após décadas de atividade mineradora, mas também indicam outra característica do lugar: as residências subterrâneas.
Neste recanto do mundo, 60% da população habita moradias construídas nas rochas de arenito e siltito ricas em ferro da região. Em determinadas áreas, os únicos vestígios de habitação são os dutos de ventilação que emergem do solo e a terra acumulada nas proximidades das entradas das casas.
Durante o inverno, esse estilo de vida pode parecer meramente excêntrico. Contudo, no verão, Coober Pedy – que significa “homem branco em um buraco” em uma livre tradução de um termo aborígene australiano – não carece de justificativas: a região atinge 52°C, uma temperatura tão elevada que leva os pássaros a caírem do céu e requer que dispositivos eletrônicos sejam armazenados em geladeiras.
E, no ano de 2023, essa tradição parece mais premonitória do que nunca.
Andar a pé no deserto perto de Coober Pedy pode ser perigoso. O terreno é salpicado de poços de mineração abandonados
Em julho, a metrópole Chongqing, situada no sudoeste da China, teve que abrir seus refúgios antiaéreos – erguidos no meio de bombardeios em larga escala do Japão durante a Segunda Guerra Mundial – para resguardar os habitantes de uma ameaça muito distinta: uma onda de calor abrasadora, com mais de 35°C, persistindo por 10 dias. Outros optaram por buscar abrigo em restaurantes subterrâneos, que são amplamente frequentados na cidade.
Enquanto a onda de calor intensa continua em algumas áreas, com temperaturas insuportáveis, incêndios florestais devastando vastas extensões do mundo, o que podemos aprender com os residentes de Coober Pedy?
História Longa
Coober Pedy não é o primordial
nem o mais grandioso aglomerado subterrâneo global.
A humanidade se refugiou sob a terra para enfrentar climas hostis por milênios – desde os antecessores dos seres humanos que abandonaram suas ferramentas em uma gruta na África do Sul há dois milhões de anos até os neandertais que erigiram montes enigmáticos de estalagmites em uma caverna francesa durante a última era glacial, há 176 mil anos.
Inclusive, chimpanzés já foram observados se resguardando em grutas para escapar do calor abrasador diurno no sudeste do Senegal.
Outro exemplo é a Capadócia, uma antiga localidade no centro da Turquia. Ela se encontra em uma planície árida e é famosa por sua geologia notável, quase paradisíaca, e sua paisagem com cumes, chaminés, e casas esculpidas pelo homem e pela natureza nas rochas vulcânicas, como se fosse parte de um conto de fadas.
No entanto, o verdadeiramente espetacular está oculto sob a superfície. E a narrativa de como isso foi revelado é fascinante. Segundo a lenda, tudo teve início com o desaparecimento das galinhas de um dos moradores.
Em 1963, um indivíduo que fazia reformas em seu porão notou que suas aves estavam sumindo por uma abertura que ele inadvertidamente criou. Derrubando a parede, ele deparou-se com uma passagem secreta – uma inclinada via subterrânea que conduzia a um labirinto de compartimentos e outros corredores. Era uma das várias entradas para a cidade perdida de Derinkuyu.
Derinkuyu é apenas uma das numerosas residências subterrâneas entre as múltiplas cidades subterrâneas da região. Calcula-se que tenha sido construída por volta do século 8° a.C.
A cidade permaneceu ocupada de maneira quase contínua por milênios, com suas próprias aberturas de ventilação e de abastecimento de água, estábulos, igrejas, depósitos e uma vasta rede de moradias subterrâneas. Além disso, ela funcionava como um refúgio de emergência para até 20 mil indivíduos em caso de invasão.
À semelhança de Coober Pedy, as casas subterrâneas auxiliavam os habitantes da região a enfrentar o clima continental, caracterizado por invernos gélidos com neve e verões escaldantes e secos. No exterior, as temperaturas variavam de vários graus abaixo de zero a mais de 30°C, enquanto no subsolo, a temperatura permanecia estável, em torno de 13°C.
Ainda nos dias de hoje, as cavernas escavadas pelo homem na região são renomadas por suas propriedades de resfriamento passivo – uma técnica construtiva que envolve a aplicação de elementos de projeto para reduzir o ganho e a perda de calor sem o uso de energia.
Os antiquíssimos corredores e galerias da Capadócia hoje abrigam milhares de toneladas de batatas, limões, repolhos e outros produtos que, em outros lugares, necessitariam de refrigeração. A demanda cresceu tanto que novas cavernas estão sendo escavadas na região.
Solução eficiente
A cidade subterrânea de Derinkuyu, na Capadócia (Turquia), foi abandonada em 1923. Ele ficou totalmente esquecida até ser redescoberta, nos anos 1960
Mais adiante, ao longo do trajeto para Coober Pedy, encontra-se o coração da cidade.
À primeira vista, ela pode ser confundida com uma localidade típica da região desértica que constitui o conhecido outback australiano. As ruas apresentam coloração rósea devido à poeira, e estabelecimentos como restaurantes, bares, mercados e postos de abastecimento estão presentes.
Erguendo-se no topo de uma colina, a única árvore da cidade – na verdade, uma escultura de metal – contempla a paisagem.
Na superfície, Coober Pedy parece notavelmente deserta. As residências são dispersas e a sensação é de que algo está fora de ordem. No entanto, abaixo da terra, tudo se esclarece.
Alguns dos “subterrâneos” de Coober Pedy podem ser explorados através dessas habitações. Embora pareçam normais do lado de fora, suas passagens subterrâneas se desvelam gradualmente à medida que adentramos. A experiência assemelha-se a atravessar um armário mágico para adentrar o fictício mundo de Nárnia (das Crônicas de Nárnia, de C.S. Lewis).
Outras entradas são mais evidentes. Em uma área de acampamento conhecida como Riba’s, as pessoas podem armar suas barracas em nichos situados vários metros abaixo da superfície. O acesso é feito por meio de um túnel escuro.
Em Coober Pedy, as edificações subterrâneas devem estar a, pelo menos, quatro metros de profundidade para evitar o desabamento do teto. Sob essa extensa camada de rocha, a temperatura permanece constantemente agradável: 23°C.
Enquanto os moradores acima do solo enfrentam verões extremamente quentes e noites frias de inverno, com temperaturas que frequentemente caem a 2-3°C, as residências subterrâneas mantêm uma temperatura ambiente confortável, 24 horas por dia, durante todo o ano.
Além do conforto, outra vantagem significativa de habitar sob a terra é a economia. Coober Pedy gera toda a eletricidade que consome – 70% proveniente de fontes eólicas e solares. Entretanto, usar ar-condicionado muitas vezes é caro e inviável.
Em Coober Pedy, a rocha é tão mole que pode ser raspada com a unha.
“Viver na superfície implica gastos consideráveis em aquecimento e resfriamento, dado que as temperaturas frequentemente ultrapassam os 50°C no verão”, declara Jason Wright, o morador local responsável pelo Riba’s.
Por outro lado, muitas das casas subterrâneas em Coober Pedy são relativamente acessíveis. Em um leilão recente, o preço médio das residências de três quartos ficou em torno de 40 mil dólares australianos (aproximadamente R$ 126 mil).
Embora algumas dessas propriedades fossem extremamente simples ou necessitassem de reformas, há uma notável discrepância entre esses valores e os praticados na cidade grande mais próxima, Adelaide. Lá, a média dos preços das residências é de 700 mil dólares australianos (cerca de R$ 2,25 milhões).
As casas subterrâneas também oferecem outras vantagens. Uma delas é a ausência de insetos.
“Quando você chega à porta, as moscas abandonam suas costas, pois evitam adentrar o escuro e o frio”, afirma Wright. Além disso, não há poluição luminosa ou sonora sob a terra.
Curiosamente, o estilo de vida subterrâneo também pode proporcionar alguma proteção contra terremotos. Wright relata que os tremores na região geram um ruído vibrante que se intensifica e atravessa as profundezas subterrâneas.
“Tivemos dois [terremotos] desde que me mudei para cá e nem sequer percebi”, diz ele. Entretanto, o grau de segurança das estruturas subterrâneas durante atividades sísmicas depende inteiramente de seu tamanho, complexidade e profundidade.
Configuração perfeita
A questão que se coloca é se as residências subterrâneas poderiam auxiliar as pessoas a enfrentar as implicações das mudanças climáticas em outras regiões do mundo. E qual é o motivo de sua escassez?
Diversos fatores explicam a singularidade da construção de casas subterrâneas em Coober Pedy. Primeiramente, há a natureza das rochas na localidade.
“Elas são extremamente macias, chegando ao ponto de ser possível raspar com um canivete ou a unha”, assevera Barry Lewis, colaborador do centro de informações turísticas da cidade.
Nas décadas de 1960 e 70, os habitantes de Coober Pedy expandiram suas residências da mesma forma que escavaram minas de opala, valendo-se de pás, picaretas e explosivos. Algumas delas exigiram pouco esforço para serem escavadas, pois muitos moradores partiram de poços de minas desativados como ponto de partida.
Hoje em dia, entretanto, os túneis são frequentemente escavados com maquinaria industrial.
“Uma máquina de escavação de túneis eficiente é capaz de retirar cerca de seis metros cúbicos de rocha por hora, possibilitando a construção de uma residência subterrânea em menos de um mês”, esclarece Wright.
Na Capadócia, existem muitas casas escavadas na rocha vulcânica. Elas não são mais usadas como moradia
No entanto, ainda é viável a escavação manual. Portanto, quando os moradores necessitam de mais espaço, em algumas ocasiões simplesmente começam a cavar. E, dada a área de mineração de opala, não é incomum que uma obra de reforma resulte em lucros.
Ocorreu um caso em que um homem encontrou uma pedra preciosa emergindo da parede enquanto instalava um chuveiro e, durante uma ampliação, um hotel local descobriu opalas avaliadas em 1,5 milhão de dólares australianos (cerca de R$ 4,8 milhões).
Além disso, o arenito é estruturalmente resistente, dispensando a necessidade de suportes. Isso possibilita a construção de espaços amplos com altos tetos em formatos variados, sem a necessidade de acrescentar materiais.
Na verdade, a escavação de túneis em Coober Pedy é tão descomplicada que muitos habitantes desfrutam de residências subterrâneas suntuosas, equipadas com piscinas subterrâneas, salas de entretenimento, generosos banheiros e áreas de convívio de alto padrão.
Um residente local chegou a descrever sua residência subterrânea como “um verdadeiro castelo”, com 50 mil tijolos expostos e arcos decorando todos os cômodos.
“Temos algumas moradias subterrâneas impressionantes por aqui”, afirma Wright. Ele revela que os habitantes são notoriamente discretos – outra possível consequência de habitar sob a terra – e somente é possível desvendar informações sobre eles quando se é convidado para jantar.
Desafio de umidade
Os benefícios de Cooper Pedy não seriam idênticos em outras regiões semelhantes.
A maioria das residências esculpidas nas rochas por seres humanos está localizada em regiões áridas. Elas englobam desde as torres e paredes erguidas nas formações rochosas de Mesa Verde, no Colorado (Estados Unidos), habitadas por mais de sete séculos pelo povo ancestral conhecido como pueblo, até os elaborados templos, túmulos e palácios cavados no arenito rosado de Petra, na Jordânia.
Hoje em dia, uma das últimas vilas esculpidas na rocha e ainda habitadas no mundo é Kandovan, situada ao sopé do monte Sahand, no Irã – um vale caracterizado por estranhas cavernas cônicas que foram escavadas e transformadas em habitações, assemelhando-se a uma colônia de cupinzeiros. Essa região recebe, em média, apenas 11 mm de precipitação por mês durante todo o verão.
Entretanto, é notável que a construção subterrânea em áreas mais úmidas seja claramente mais complexa.
O metrô de Londres é um exemplo disso. Para tornar seus túneis subterrâneos originais à prova d’água, construídos no século 19, foram empregadas várias camadas de tijolos e uma camada generosa de alcatrão.
Atualmente, métodos mais contemporâneos são utilizados. Ainda assim, mesmo com essas precauções, a presença de mofo preto nas galerias é uma ocorrência comum.
Esse mesmo problema afeta os alicerces de edifícios, os porões e os estacionamentos subterrâneos em regiões de forte precipitação ao redor do mundo.
Coober Pedy é uma cidade incomum no sul da Austrália, onde tudo é subterrâneo, de igrejas a locais de acampamento
Duas razões principais explicam o fenômeno. Uma delas é a falta de ventilação, que pode resultar na condensação da umidade proveniente da cozinha, dos banheiros e da própria respiração das pessoas nas frias paredes das cavernas. A outra causa é a proximidade das águas subterrâneas, caso as construções estejam próximas do lençol freático.
As cavernas de Hazan, em Israel, compõem uma intricada rede de esconderijos subterrâneos criados pelos judeus para escapar da perseguição dos romanos no século 2 d.C. Elas incluem cozinhas, salões, reservatórios de água e um mausoléu com urnas funerárias.
A apenas 66 metros da entrada das cavernas, a temperatura nos corredores cai significativamente em comparação com o exterior. Contudo, a umidade também é o dobro dos 40% registrados na entrada das cavernas.
Uma das razões para isso pode ser que o sistema de cavernas foi construído em rochas porosas, em uma área de planície. Nessas condições, é provável que o volume de águas subterrâneas seja mais expressivo, e os corredores estreitos e as entradas limitadas resultam em pouco fluxo de ar.
No entanto, em Coober Pedy, construída sobre uma camada de arenito poroso com 50 metros de espessura, as condições são extremamente secas, inclusive abaixo da superfície.
“Aqui é muito, muito árido”, afirma Wright.
Os poços de ventilação garantem um suprimento adequado de oxigênio e permitem que a umidade proveniente das atividades internas se dissipe do subsolo. No entanto, muitas vezes, esses poços de ventilação se resumem a simples tubos que se estendem pelo teto.
Esses refúgios resistentes ao calor, no entanto, apresentam um fator de preocupação. Lewis atualmente reside na superfície, em um parque de trailers. Sua casa subterrânea costumava estar localizada sob o mesmo ponto onde ele mora atualmente, mas simplesmente colapsou.
“Não ocorre com frequência”, de acordo com ele. “Estava em uma localização inadequada.”
Também não é incomum que os moradores derrubem inadvertidamente uma parede, penetrando na residência do vizinho.
Apesar dos contratempos, Lewis sente falta da vida subterrânea. Wright também recomenda o ambiente abaixo da terra para pessoas que sofrem em locais com temperaturas extremamente elevadas. Para ele, “é um alívio quando você sente aquele calor”.
E se o planeta continuar aquecendo, é possível que, em um futuro próximo, surjam construções subterrâneas como as de Coober Pedy em outros locais do mundo.
Fonte: BBC News Brasil
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Luz p’ra nós!
Gratidão pelo post.Luz p’ra nós!👏🙏✝️
Luz pra nós
Não sei se teria coragem, mas é seria uma ótima opção!
Luz p’ra nós 🙏⚛️
Bem interessante, muito bom.
Luz p’ra nós!
Que interessante. Gratidão pelo post!
Luz p’ra nós!
#luzpranos
Se filtro de barro deixa
Água geladinha,
Uma casa inteira funciona
Muito melhor
❣️
Luz p’ra nós!
Luz pra nós 🙏🏻
Luz p’ra nós!